Fernando Pessoa dizia que o poeta é um fingidor.
Uma definição fantástica!
Quem me dera ser um poeta e fingir a dor que tivesse ou a alegria que não sentisse. Eu poderia escrever versos coloridos e alegrar o dia de alguém,
eu poderia falar do amor e me enveredar pelos encantos da paixão,
que são tantos....
Mas não sou nada disso.
Não sinto nada disso.
E com a energia que me resta,
escrevo o vazio.
Lá fora há um céu azul límpido, belo.
O sol é quente e o vento, fresco.
As folhagens balançam, ritmadas.
Há o barulho do prédio que se constrói logo ao lado.
E das crianças que brincam,
inclusive a minha.
Se eu estivesse bem, tudo seria lindo
e me bastaria para sentir-me feliz.
Por que não é assim?
Por que a vontade de não acordar,
não levantar,
não me mexer,
não respirar?
A cidade pulsa.
Mas seu pulsar me parece longínquo.
Em mim, não há pulso.
Nem o meu quero escutar.
Fico parada, respiro devagar.
Penso em algo que me faça mover.
Se eu tivesse que trabalhar,
me levantaria à força.
Então eu posso.
O dever me chama.
E o meu corpo obediente obedece.
Levanto, me banho, me arrumo, me alimento.
Arrumo a cama, o quarto, a bolsa.
Hoje não tenho que trabalhar,
mas tenho que viver...