sexta-feira, outubro 24, 2008

Sombras



Me sinto num corpo sem pernas, sem alma.
Me envergonho dos meus atos num passado que não posso e talvez nem queira mudar.
Me sinto invadida e culpada como criança pega em travessura.
Vejo e compreendo suas razões.
Ainda assim tenho vontade sumir.
Não me sinto em casa em lugar algum
Seu corpo, que há pouco parecia a minha morada, o meu aconchego
Agora parece a casa da infância, distante e envelhecida.
Meu corpo não suporta minhas angústias.
Viajo no pensamento a outros céus e dimensões
Onde recosto a cabeça nas mãos enlaçadas e observo lentamente as estrelas.
Penso nas nuvens e no mar, no céu azul e no sol quente dourando um corpo estendido na areia
Penso na felicidade e no vazio como nada mais que utopia e presente
Vejo despedida no encontro e a morte como ápice da vida.
Respiro devagar tentando economizar ar e esforço
Ouço música de acalanto e sonho com um sono de bebê
Imagino um peixe no fundo do oceano escuro e tento nadar ao lado dele
Sinto o calor do meu corpo a se perder
Minhas sensações desaparecendo lentamente.
Frio, fome, medo, dor...

O resto é imensidão e silêncio.

segunda-feira, outubro 20, 2008

De novo no saguão de embarque

Outra vez no saguão de embarque, agora tentando voltar para casa, procuro disfarçar a ansiedade gerada pelo atraso do vôo me entretendo com a vida alheia. A cabeça lateja em todos os lados por isso não posso ler ou escrever. Olho à volta, procurando um alvo interessante para me fixar. Ouço um riso gostoso de criança. Procuro de onde vem. Encontro a animada dupla alguns metros à frente. Uma mãe brinca de esconder com a mão os olhos da filha, que se retorce de riso e contentamento com a singela brincadeira repetida uma e outra vez numa seqüência incansável.

Essa mãe deve ter vinte e poucos anos. Tem os cabelos pretos e longos presos num rabo de cavalo e uma beleza contrastante com o ambiente cinza e tedioso. Carrega o pacotinho de risadas, que deve ter uns dois aninhos, num canguru e administra uma penca de sacolas e apetrechos infantis.

A menina é fofa!! Bochechas redondas e coradas, nariz de batatinha, sorriso matreiro, cabelinho preto bem liso de franjinha e preso num rabinho como o da mãe. O visual todo a deixa parecida com uma bonequinha ou uma personagem de desenho infantil. As mãozinhas gordinhas seguram as da mãe com força e são seguradas com carinho e afeição. Os olhinhos puxados e alertas revelam a anomalia genética e o futuro incerto de limitações e potencialidades desconhecidas.

Os olhares brilhantes, apaixonados e atentos ao contato mágico e à brincadeira hipnotizante revelam que para o amor não há limitações e as potencialidades são sempre infinitas...

Lendo e viajando

Nada como uma viagem para colocarmos a leitura em dia. Consegui terminar de ler “Paula”, de Isabel Allende. As últimas páginas foram devoradas numa cadeira do shopping comendo um croquete de almoço e no banco do táxi, enquanto tentava inutilmente enxugar as lágrimas prestes a borrar toda a maquiagem feita para enganar a cara de cansaço.

Minha mãe sempre estranhava nossa compulsão para o choro ou os tremores de medo, quando unidas umas às outras no sofá da sala, nos emocionávamos até os cabelos, ao ver um filme ou ler um livro. Achava meio ridículo, exagerado. Seu pragmatismo impedia que compreendesse nossa empatia com os personagens. Herança paterna essa capacidade de vivenciar a ficção como protagonistas e sentirmos com a mesma sofreguidão e intensidade.

Mas o livro em questão não trata de ficção, mas da morte lenta e real de uma filha amada. De perdas, dores e amores verdadeiros. Como não se comover? Como não entrar na vida daquelas mulheres fortes e fabulosas, que mantêm laços de afeto concretos e transcendentes?

Como não me colocar no lugar e imaginar como seria se acontecesse comigo. Como juntar os pedaços e renascer após acompanhar a vitalidade de minha filha, esse ser adorado, fruto das minhas entranhas, se esvaindo ante meus olhos, entre meus dedos, à revelia, num avesso da lógica e do sentido?

Ainda que não acredite que deva existir sentido e lógica na vida ou na morte, não resisto em buscá-los...

quinta-feira, outubro 16, 2008

Av. Paulista

Vim a São Paulo por três dias para participar de um seminário. Fiz questão de me hospedar em um hotel na Avenida Paulista.




Gosto dessa rua louca onde passa gente de toda cor e toda sorte. Olho fascinada para o alto me buscando no reflexo das vidraças brilhantes dos enormes edifícios. Mas só o que vejo são as imagens dessas incríveis criações humanas contrastando com o céu azul desse dia quente. Entre as linhas modernas, podemos contemplar construções de um outro tempo, símbolos de uma arquitetura diferente, rebuscada, imponente, que abriga alguns bancos importantes, ícones do século novo, num paradoxo curioso e certamente intencional.




Olho para o chão e penso em quem passa por debaixo de mim neste instante. Alguém atrasado, feliz, em lua-de-mel, que sofre por mal de amor ou de doença incurável? Penso nos tantos que já passaram, nas mãos que assentaram tanta massa, nos produtores de cimento e carvão, tanta história junta e emendada.

Uma pequena multidão colorida e diversa se junta num instante singular para, juntos, atravessar a rua. Vidas divergentes unidas por um minuto numa mesma cadência, para se dispersarem logo em seguida, para sempre, quem sabe...

No Conjunto Nacional, tomo um café e não resisto a comprar uns livros na explêndida e charmosíssima Livraria Cultura, que anuncia a abertura de uma seção dedicada só às artes. Assisto a uma exposição de fotografias de Praga e me permito sonhar e viajar para mais longe enquanto lamento a perda do Festival de Cinema que começará amanhã.



Neste lugar entendo o sentido, o charme e a delícia das grandes cidades. Mas sou completamente suspeita para falar isso...

Post auto-ajuda

Ninguém merece ler isso, mas não contive o impulso de querer escrever!

Aqui vai: acredito e sou testemunha que as pessoas podem realmente mudar hábitos quando tomam consciência e dedicam, sinceramente, esforço, energia e determinação ao alcance de seus objetivos.

Faz um ano que estou fazendo atividade física regular!!!!! Três vezes por semana, conforme o figurino. Minhas celulites diminuíram (embora falte muito para desaparecerem, o que talvez só seja possível com amputação) e consigo identificar meu bíceps! Além disso, já subo alguns lances de escada e corro alguns minutos. E, inacreditavelmente, sinto falta do exercício quando passo alguns dias a mais sem praticar. Se alguém está vivendo o dilema, pode acreditar: se eu consegui, qualquer um consegue. Se estiver difícil, siga o lema do AA, um dia de cada vez e não se deixe cair em tentação de desistir por qualquer problema real ou inventado. Vença a voz interior inimiga, levante o bumbum da cadeira e vá à aula! Se superar os 3 primeiros meses, os seguintes seguirão naturalmente. Tenha fé!

Faz dez anos que meu pai parou de fumar. Ele, que fumava três maços por dia, que fumava de madrugada ou ao acordar pela manhã, que eu não conhecia sem um cigarro na mão. Que, por conta disso, teve o primeiro enfarto do miocárdio aos 48 anos. Mas que depois que entrou no hospital aquele fatídico dia nunca mais pegou num cigarro, ainda que minha mãe tenha continuado com seu hábito (ou vício!) todos os dias até hoje e, teimosamente, negue-se a tentar parar. Se ele conseguiu, qualquer um é capaz de conseguir!

Meu marido, após dez anos de namoro, me surpreende fazendo elogios e declarações de amor em horários inesperados. Ele, que se gabava do dom da crítica, do sarcasmo e da ironia, que não conseguia elaborar uma frase de afeto do início ao fim sem cair na tentação de uma gracinha ou uma maldade, agora se pega em delírios românticos e ondas de deliciosa pieguice. Isso depois de muita conversa e análise. Se ele conseguiu, qualquer um consegue.

Passei três meses sem comprar um par de sapato sequer, mesmo após ter dado metade de todos os meus pares e ter me deparado com um amplo espaço interior (não no armário, mas no imaginário das possibilidades). Mesmo após uma amiga, numa viagem que fizemos juntas, ter ido a uma megasapataria e ter adquirido 17 pares numa tacada. Fiz muito exercício de auto-conhecimento para perceber que não sou uma centopéia e que posso sobreviver com cinqüenta pares. Uma vida menos colorida, é verdade, mas possível. Se eu consigo, muitas podem conseguir (esse caso é mais grave e complexo, não posso generalizar!).

Para finalizar, quero registrar um feito. Uma vitória da realização contra a procrastinação: tomei vergonha na cara e renovei minha carteira de motorista, vencida há pouco mais de quinhentos dias. Se eu consegui, qualquer um consegue!

quarta-feira, outubro 15, 2008

Sobre pais, bebês e babás

Minha amiga do Iglu, habitante de terras vancouverinas há alguns anos, ressente-se com freqüência da vida sem empregada doméstica a que são submetidas as mulheres de classe média dos países desenvolvidos, em contraste com o cômodo conforto que desfrutam as afortunadas dos países tropicais.

Não posso deixar de concordar. Serviço de casa é tão chato que ninguém deveria ter que fazê-lo. Ou pelo menos não ganhando tão pouco. Bem, o fato é que, enquanto vivemos essa realidade de disparidade social, podemos nos dar o luxo de ter alguém fazendo o que não gostamos de fazer pagando a metade (ou muito menos) do que cobraríamos se estivéssemos em outra condição.

Anteontem estava no saguão do aeroporto, aguardando para embarcar. À minha frente uma moça jovem, bonita, pele negra marrom-bom-bom, cabelos bem trançados, uniforme branco de babá brincava com uma bebezinha de uns 4/5 meses, impecavelmente arrumada num macacãozinho rosa e faixa da Lilica Ripilica na cabecinha careca.

Duas cadeiras ao meu lado, o pai dava algumas instruções sobre como a moça deveria brincar. Logo após chegou a mãe e sentou-se entre nós. Muito bem arrumada, calça jeans colada, salto 10cm, unhas feitas, blusa justa ao corpo, cabelos lisos até a cintura, artificialmente aloirados. Um visual, aliás, pouco compatível com a exigência da prática da maternidade de um bebê daquela idade.

A mãe falava ao telefone celular. Ao ouvir sua voz, a filhotinha se virou, arregalou os olhos brilhantes e começou a balançar os bracinhos em um gesto que claramente indicava o desejo de colo. A mãe pareceu ignorar. Apenas pediu para que a babá arrumasse a faixa sobre a orelhinha da criança. O pedido de colo ficou no ar, assim como o olhar que buscava eco e apoio no outro lado.

Como se me conectasse àquela freqüência, senti com ela a angústia daquele instante. Por mais que estivesse confortável e aparentemente bem cuidada, buscava o conforto dos pais, o olhar, o carinho e o colo da mãe, que parecia distante e alheia àquela fanfarrice infantil. Depois de um tempinho, o pai acabou cedendo, levantando da cadeira e pegando a bichinha no colo, que se abriu em sorrisos e gritinhos de alegria. Para meu alívio!

Fiquei pensando nesse distanciamento que o "conforto" de se ter uma babá a tiracolo pode gerar entre pais e bebês e o quanto isso pode não ser saudável. A cena me rememorou àquelas ilustrações antigas de amas de leite alimentando os filhos das patroas nas senzalas ou quartos de fundos, enquanto as madames participavam de festas e esforçavam-se para entrar na forma de um espartilho sufocante.

Em Brasília é cada vez mais comum, nos finais de semana, dias em que teoricamente as famílias dispõem para conviver, vermos nos clubes e restaurantes crianças sendo administradas por babás, enquanto os pais desfrutam um pouco de sossego.

Acredito que o casal tenha mesmo que, no meio da rotina intensa e exaustiva dos cuidados com as crianças, encontrar momentos e maneiras para descanso, reposição de energias, para estarem juntos ou compartilharem a companhia de amigos. Creio que isso é salutar e importante. Mas o que vejo e me causa estranhamento e preocupação é o excesso, a banalização. É o processo de terceirização constante de cuidados. Pais que não brincam, que não acompanham, que não acordam de noite para acalmar um choro ou demover de um pranto.

E aí me pergunto se as pessoas não devem pensar realmente quarenta vezes antes de decidir ter um filho. E se se perceberem pouco a fim de dedicar seu tempo livre e energia para a tarefa da maternidade e paternidade não devem objetiva e sensatamente escolher abdicar dessa possibilidade e seguir o curso solo de suas existências.

O problema é que "ter" um filho é a parte mais fácil. O complicado, o desafio é cuidar e educar diariamente, por anos a fio, até que esses pequenos se tornem seres fortes e capazes de guiar suas vidas, defenderem-se de si e dos outros e serem inteiros e felizes.

Voltei

Estava há tempos sem passar aqui. Pensando muito, mas sem conseguir parar na frente do micro e colocar em palavras a minha frente.

Há uns dias encontrei uma amiga e ela me perguntou como estava o blog. Disse que eu estava meio afastada, que fazia semanas que não escrevia. Ela me contou que no dela havia um compromisso com os leitores, que ela postava regularmente todos os sábados. Brinquei com ela que meu blog não era desse tipo "sério" ou literário e que meus "leitores" eram todos meus amigos e entendiam quando eu não estava com tempo ou com espírito para a palavra ou para o computador.

Achei muito legal da parte dela, mas não posso selar esse tipo de "compromisso". Não sou regular a este ponto. Há dias que tenho vontade de passar a madrugada escrevendo, há outros que não consigo olhar para mim nem colocar nada para fora. Há dias que quero me mostrar, partilhar minhas idéias, meus pensamentos, noutros quero sumir. Dia desses, tive vontade de fazer um suicídio virtual. Deletar tudo - blog, orkut, e-mail... Esse é o jeito moderno de "sumir do mundo"! Contive meu impulso e fui dormir. Dei-me férias e cá estou eu de novo, feliz de estar ainda "viva"!