sexta-feira, setembro 08, 2006

O vazio

Fernando Pessoa dizia que o poeta é um fingidor.
Uma definição fantástica!
Quem me dera ser um poeta e fingir a dor que tivesse ou a alegria que não sentisse. Eu poderia escrever versos coloridos e alegrar o dia de alguém,
eu poderia falar do amor e me enveredar pelos encantos da paixão,
que são tantos....
Mas não sou nada disso.
Não sinto nada disso.
E com a energia que me resta,
escrevo o vazio.
Lá fora há um céu azul límpido, belo.
O sol é quente e o vento, fresco.
As folhagens balançam, ritmadas.
Há o barulho do prédio que se constrói logo ao lado.
E das crianças que brincam,
inclusive a minha.
Se eu estivesse bem, tudo seria lindo
e me bastaria para sentir-me feliz.
Por que não é assim?
Por que a vontade de não acordar,
não levantar,
não me mexer,
não respirar?
A cidade pulsa.
Mas seu pulsar me parece longínquo.
Em mim, não há pulso.
Nem o meu quero escutar.
Fico parada, respiro devagar.
Penso em algo que me faça mover.
Se eu tivesse que trabalhar,
me levantaria à força.
Então eu posso.
O dever me chama.
E o meu corpo obediente obedece.
Levanto, me banho, me arrumo, me alimento.
Arrumo a cama, o quarto, a bolsa.
Hoje não tenho que trabalhar,
mas tenho que viver...

terça-feira, agosto 29, 2006

Flor menina

Domingo li uma notícia no jornal acerca de uma criança de 4 anos que fora estuprada pelo padastro. A história era mais ou menos assim - uma mãe acorda no meio da noite para ir ao banheiro e escuta a filha chamando, reclamando de dor de barriga. Quando puxa o lençol que cobria a menina, deitada no sofá da sala, vê uma enorme mancha de sangue. Após dar um banho na garotinha (!) e ouvir dela a história, procura (e acha) nas roupas do amado vestígios do abuso. Mesmo assim, tenta acordá-lo para ajudar a levar a menina no hospital. A criatura dormia um sono tão profundo que não acordou. A mãe, então, recorre a vizinha.

A menina, que apresentava forte sangramento vaginal e anal, teve seu canal vaginal rompido e precisou passar por uma cirurgia. A mãe, que supostamente deveria zelar por sua segurança e integridade (bem como das outras três crianças que vivem na casa) e colaborar para a promoção da justiça, tentou acobertar o companheiro-agressor durante o contato com a polícia, após denúncia médica. Disse no início que a criança havia se machucado, depois culpou um primo, chegou a pedir a amiga para não contar quem era o autor do crime. Como a vizinha recusou-se, a mãe acabou confessando. Os policiais encontraram o meliante dormindo tranquilamente na cama do casal e prenderam-no.

Causas, razões, desculpas para o comportamento desse elemento não tenho o menor interesse em saber. O que me intriga é o que faz uma mãe, numa situação dessas, querer ocultar o criminoso. E, ainda, o porquê de este não ser um comportamento totalmente atípico. Será que essa mulher pretende acreditar que foi a filha que provocou o pobre do rapaz (já ouvi isso), ou que ela mesma seria a culpada, pois talvez não satisfizesse as necessidades do marido? E qual sua intenção ao retornar para a casa? Fingir que não aconteceu nada? E as outras crianças?

Dentre todas as hediondas formas de violência (a violência é em si hedionda), as cometidas contra crianças são as que mais me sensibilizam, mais me aterrorizam, mais me revoltam.
Espero, sinceramente, viver uma época em que histórias assim sejam extremamente raras, quem sabe até nem existirão. Porque haverá meios de se prevenir, porque as pessoas serão mais conscientes, menos tolerantes. Porque as mulheres ocuparão um outro espaço social, porque as crianças serão prioritária e especialmente respeitadas.

Aqui vão uns versinhos para essa vítima da crueldade.

Menina pequena
Botão de flor
Que o mal do mundo
Que invadiu tua casa
Penetrou tua vida
Violentou teu corpo
Impregnou-lhe de dor
E encheu-me de pena

Afaste-se do teu olhar
Da tua morada
Do teu jardim
Suma da tua lembrança
Permita-lhe ser criança
Como um curumim
Andar despreocupada
Correr, brincar, sonhar...

sábado, agosto 19, 2006

Tempo, tempo, tempo.. e outras conjecturas

Dia 16 foi aniversário de uma das pessoas que me são mais queridas nesse mundo. Alguém que é para mim amiga, irmã, mãe de coração. Telefonei, enviei flores (quase tão lindas quanto ela) e um cartão expressando todo o meu sentimento (na medida do possível).
Moramos na mesma cidade, a poucos quilômetros de distância. Trabalhamos na mesma instituição (mas em departamentos distintos e distantes). Mesmo assim não consegui encontrá-la no dia especial e dar o abraço que eu gostaria de dar. Senti-me frustrada!
Quando se estuda administração do tempo, fala-se muito da necessidade de se estabelecer prioridades, definir o que é urgente, o que é importante, o que pode ser delegado. Concordo com tudo isso. Mas e quando não somos totalmente donos do nosso tempo??!
Minha empresa é dona de pelo menos um terço do meu tempo, nos dias úteis. O trânsito de outra parte. À família também cabe uma fração. Se o tempo de que posso dispor não coincide com o tempo livre (literalmente) do outro, não conseguimos nos encontrar! E não é culpa de ninguém. Nem questão de priorização.
É importante tomar consciência disso para não nos sentirmos constantemente frustrados. (Digo isso para convencer a mim mesma!) Ou para repensar se realmente é esse o tipo de vida que queremos. Às vezes não nos damos conta de que corremos tanto em busca da realização de um sonho que, na verdade, não fomos nós que sonhamos. Ou para cumprir um ideal de vida que nos foi previamente desenhado e apresentado – às vezes subliminarmente, às vezes escancaradamente – pelos tantos meios de que dispõe a sociedade capitalista em que estamos imbricadamente inseridos.
Às vezes é difícil separar o que pertence a mim e o que é invenção alheia. Aliás, em muitas vezes, na maior parte das vezes. Mesmo porque na maior parte do tempo estou absorvendo informações externas – televisão, jornal, internet, conversa com colegas e amigos, trabalho.... Quando é que estou me olhando e pensando no que sou, no quero, no que sinto?... Quase nunca.

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Por isso hoje rezo por sabedoria e discernimento. O trecho da primeira oração “e que não nos deixe cair em tentação” assume significação particular. Desejo não cair na tentação de entrar (muito profundamente, pelo menos) na neurose do culto à magreza, alcançada a custo de privação e sofrimento; no sonho do corpo desprovido de celulites (ai, que vontade!), do peito siliconado, da cintura construída; nem na necessidade criada da troca de carro a cada dois anos, ou da aquisição do último modelo da bolsa LV. Ou tantos outros sonhos de consumo.
Até porque não posso mesmo! Não é nem questão de consciência política, social ou escambal, e falta de grana mesmo! De repente, se eu fosse filha de um magnata, isso nem fosse um pecado do qual precisasse me precaver. No meu caso, preciso, sim, estar muito atenta, lutar com todas as armas e apelar ao Céus, se for necessário, para manter a sensatez. E também para ser feliz, mesmo que não corresponda aos modelos de felicidade que se tem por aí.
Que pena!
O mundo capitalista até que é bom!
O único problema é que bem poucos podem usufruir de todos os seus encantos e maravilhas!

quarta-feira, agosto 16, 2006

O Jogo do Contrário

Pompeu de Toledo escreveu, na última edição da revista Veja, um ensaio muito interessante, que conseguiu elevar meu moral de brasileira – ultimamente em franco declínio.
Ele sugeria a leitura inversa dos números dos noticiários e justificava que esse exercício era muito bom para se acreditar que nem tudo estaria perdido. O jogo era assim: se considerarmos que há 300 picaretas no Congresso Nacional, isso quer dizer que há, olhando do outro lado, 294 parlamentares tentando realizar o trabalho para o qual foram eleitos, de maneira honesta. Se 23 dos 24 deputados estaduais de Rondônia são acusados de corrupção (“caso extremo de contaminação de uma casa legislativa”, como ele bem definiu), que atentemos para o único que conseguiu manter-se incólume no tufão de falcatruas - como uma "ilha num mar de lama", um “solitário baluarte da honestidade”.
Concordo com ele. Isso realmente me fez acreditar que ainda há esperança. Não devemos fazer generalizações, para não cair na tentação de um ceticismo geral – totalmente improdutivo, nem entrar numa onde de pessimismo e descrença, que também não leva a nada. Que estejamos cientes (e conscientes) de que há o trigo e há o joio e que nos cabe a árdua e sublime tarefa da melhor escolha.
Desde criança, brinco do “Jogo do Contente”, aprendido nos livros da Pollyana (aquele em que toda vez que algo ruim acontece, devemos imaginar que poderia ser pior, e assim ficar alegres). Agora vou brincar também desse “Jogo do Contrário”.
Não quero me tornar uma velha desesperançosa e rabugenta!
O máximo que poderá acontecer é me transformar numa Pollyana de óculos cor-de-rosa!

quarta-feira, agosto 09, 2006

A Primeira Vez

A primeira vez para mim, para qualquer coisa, é sempre assim - ensaiada, milimetrada, calculada, medida e planejada (pensei um ano, antes de tomar a decisão de escrever publicamente). Cheia de ansiedades e angústias. Embaraço e timidez. Medo de errar. De não agradar. De ser demais ou de menos. De faltar o importante, de sobrar o dispensável.
Não sei se é assim com todo mundo, ou com a maioria. Ou se é mais um exemplo de perfeccionismo insensato do qual eu poderia perfeitamente abdicar em detrimento de mais tranqüilidade e qualidade de vida - coisa que ando procurando e que faz parte da temática central desse blog. Se alguém dispuser de sobra, aceito doações, sem qualquer pudor. Receitas alternativas ou milagrosas também são bem-vindas. Não tenho preconceitos, a priori. Se vou testá-las, não sei. Sou bem cética, às vezes.
Hoje quero falar do trânsito na capital federal.
Moro a 10km do meu trabalho, o que é uma distância relativamente curta, considerando-se as avenidas largas e retilíneas da cidade. Entretanto, as coisas têm mudado nos últimos anos. O número de habitantes e veículos aumentou expressivamente, bem como os antipáticos sinais de trânsito (que estão sempre fechados quando estou passando).
Hoje, por exemplo, uma ordinária terça-feira, demorei 50 minutos para voltar do trabalho para casa, após o expediente. Somando-se aos 25 minutos casa-trabalho, pela manhã, mais 20 minutos trabalho-casa, para o almoço e outros 30 (casa-trabalho), para o turno vespertino, cheguei a um total de 125 minutos – exatas 2 horas e 5 minutos! - do meu dia, dedicados, exclusivamente, ao t-r-â-n-s-i-t-o.
Há ainda para serem contabilizados 40 minutos investidos no percurso estacionamento-prédio-estacionamento e no transporte vertical (elevador, segundo aprendi recentemente) - necessário para chegar ao 16º andar do edifício onde trabalho, juntamente a outras centenas de pessoas, viventes de rotinas semelhantes.
Tudo bem que posso aproveitar o tempo reclusa na prisão de rodas para pensar na vida (não dá certo, acabo pensando na lista de coisas para fazer), para treinar o segundo idioma esquecido ouvindo CDs de cursos a distância (não dá certo, acabo ignorando a aula e pensando na lista de coisas para fazer), ou para meditar ouvindo uma música relaxante (não dá certo, fico entediada, prefiro mudar para o curso de inglês e acabo pensando na lista de coisas para fazer). Mas isso não muda o fato de que 2h45min – quase um oitavo do meu dia – são dedicados a uma atividade totalmente insípida e improdutiva! Se, além disso, por oito horas eu trabalho, seis eu durmo, três eu dedico a necessidades básicas – alimentação, higiene, vestuário (incluindo maquiagem e sessão de cremes), resta-me dispor de sabedoria suficiente para poder viver as 4 horas e 15 minutos restantes!