segunda-feira, maio 28, 2007

Coisas que amo na modernidade


Hoje, uma segunda-feira típica, chego do trabalho perto de 20h, sentindo-me quase morta. Deixo as tralhas numa cadeira da sala e olho sobre o móvel da TV: uma lista de compras gigante. Levo um susto!! Oh Céus, já acabou o mês?
Vou dar um beijo no marido grudado no computador, conversar amenidades, encontrar a filha saindo do banho, acompanhar suas tarefas escolares, tomar banho, jantar. Só agora posso ir às compras. Oh, Céus!
Dirijo-me ao quarto, pego o notebook, acesso o site do supermercado, encontro as minhas últimas listas de compras, escolho uma delas para facilitar a minha vida e, ali, sentada numa cadeira macia, ouvindo um som, no quentinho de casa, faço as compras do mês, realizada!!
Deus abençôe a internet!!! Repito num mantra para mim mesma.
Obrigada, Senhor, por me fazer nascer no fim do século XX!!

Tudo bem que o progresso trouxe muitas coisas ruins - poluição, miséria urbana, efeito estufa, buraco na camada de ozônio, trânsito alucinado, stress, coronariopatias....

Por outro, trouxe maravilhas de valor inestimável. Sete delas, em ordenamento aleatório:

1 - geladeira (como, num país tropical, poderíamos armazenar perecíveis por mais de 2 dias? De nada me adiantaria o conforto do supermercado virtual!!);
2 - absorvente íntimo (li que em Cuba, a remessa de absorventes era extremamente limitada e restrita. Nunca dava para todas, nem pro mês inteiro. Qualquer apreço que eu tinha pelo comunismo foi-se por água abaixo. Aqui também vai a crítica ao capitalismo selvagem e a desigualdade econômica. Não posso concordar com qualquer sistema econômico em que não haja liberdade de acesso e consumo desses gêneros de primeiríssima necessidade!!);
3 - telefone celular (sempre me vem ao pensamento que Romeu e Julieta não teriam morrido se possuíssem telefones celulares - carregados e em área de cobertura!
Tudo bem que eles não viveram mesmo! Mas é que essa história realmente me marcou muito!);
4 e 5 - chuveiro com água abundante e ardente e vaso sanitário - acho que só podemos falar em civilização depois dessas duas invenções (associadas aos respectivos sistemas de água e esgoto, claro!);
6 - anestesia (todo o progresso da medicina, em termos de diagnóstico e terapia são fantásticos e encheriam livros, não só um post num blog, mas ficar instantaneamente livre de dor é aproximar-se do paraíso!);
7 - máquina fotográfica (quantos anônimos morreram, sem que pudessem ter sua existência registrada por um retrato de Velázquez ou eternizada por um processo de mumificação egípcio? Caso eu não plante uma árvore e não escreva um livro, gosto de saber que há várias fotografias minhas provando que existi!).

terça-feira, maio 22, 2007

Melancolia


O Dia das Mães passou há mais de uma semana. Eu gostaria de ter escrito algo sobre o tema. Mas nada me ocorreu na ocasião.
Não porque não sentisse nada.
Não porque fosse exatamente difícil falar sobre "ser mãe".
Mas, principalmente, porque não queria repetir o óbvio.
Além disso, não queria cair em estereótipos.
Não me agrada, por exemplo, nenhum tipo de mitificação da maternidade, comparações angelicais do papel materno.
Mãe é gente, é mulher. Que ama e odeia, erra e acerta, chora e ri, sofre e se recupera, cai e levanta....
Não é anjo, não é flor,... não é mais divina do que outras criaturas divinas.
O que faz dessa mulher - mãe, o que faz essa mulher diferente das outras mulheres, não é a maternidade, nem o filho, em si.
É o amor desse filho ou filha, o amor por esse filho ou essa filha que dão existência à mulher-mãe.
Falar desse amor...
isso sim é difícil prá danar.
Por isso não vou me atrever a isso.
Deixo para os poucos que o conseguem sem fazê-lo piegas.
Amor eu vivo, eu sinto. Isso me basta.
O que me deu vontade de falar aqui e agora é da existência desse amor e dessa mãe, ainda que na ausência do filho.
Talvez o cúmulo da ironia... Um amor, uma mãe, uma ausência...
Ausência porque esse filho se foi...
porque esse filho nunca veio,
porque esse filho veio um pouquinho, deixou um gostinho...
e se foi...
Queria falar dessa dor, dessa perda, desse luto que só conhece quem já viveu.
Que só sabe quem já sentiu, que só dimensiona quem já passou.
Essa dor que dói sozinha,
às vezes fininha,
às vezes latejante,
às vezes lancinante.
Às vezes faz chorar,
às vezes faz divagar,
às vezes faz paralisar...
Essa dor geralmente vivida a sós, no escuro do quarto, ao apagar das luzes, quando as vozes se calam, quando a noite se deita, quando estamos a sós com a gente mesma e nossos pensamentos e sentimentos mais profundos teimam em dar as caras.
Como se quiséssemos conhecê-los!...
Essa dor que não é única, mas sentida por tantas, que me dói mais...

Só sei que vi no monitor um coraçãozinho bater. Eu já sentia meu corpo diferente, já me preparava para recebê-lo. Por mais que não quisesse (o juízo me recomendava desconfiança e prudência), eu já fazia planos para o futuro, já reorganizava minha vida em função dele.
Mas ele teimou em deitar-se em local adverso.
Onde não era para ficar.
Onde não lhe cabia...
Onde não poderia continuar...
Foi extirpado, junto com parte de mim. Retirado à força...
Causando-me dor e sofrimento.
Deixando-me vazia...

Terminou tão rápido. Não deu tempo de despedir, não deu tempo de enterrar.
Por isso trago essa dor à tona. Por mais que não seja bom.
Para tentar olhar para ela, digeri-la, desvencilhar-me, acalentar-me e deixá-la ir...
Deixá-la virar saudade,
e a saudade virar lembrança...

Uma boa, serena e sublime lembrança...


A todos os filhos e filhas ausentes... e a suas mães.

quinta-feira, maio 17, 2007

Sobre a luta dos trabalhadores


Sou trabalhadora e cidadã brasileira. Como tal defendo o direito dos trabalhadores e o direito de os trabalhadores defenderem os seus direitos. Considero fundamento democrático, logo pressuposto da cidadania.
Beleza!
O que não quer dizer que não se deva seguir regras, princípios e que se possa fazer da luta pelos seus direitos um circo - com direito a palhaços e a palhaçadas.
Ontem, como uma trabalhadora comum, eu tentava ir para o trabalho dirigindo meu carro (o que é, neste país, um privilégio). Não estava sendo fácil, pois metade das pistas da principal avenida da cidade estava tomada por manifestantes (o que é, nesta cidade, fato corriqueiro).
Num primeiro momento, o fato me irrita. Num segundo momento tento me solidarizar com os companheiros, trabalhadores que lutam pelos seus direitos ao trabalho.
Tudo bem que são trabalhadores de bingos e eu não sou exatamente uma fã de jogos de azar, mesmo que seja um "simples" bingo.
Tudo bem que, por isso, eu questione a legitimidade desses empregos.
Mas o que verdadeiramente me incomoda é a postura dos manifestantes!
Me incomoda a tal ponto que eu sugiro a confecção urgente pelas Centrais Sindicais de um Manual de Comportamento em Passeatas, que deverá ser amplamente distribuído e totalmente decorado por todos os adeptos.
Poderia começar com algo tipo assim:
- É completamente vedado o consumo de bebidas alcoólicas antes, durante e até duas horas após os protestos;
- Todo o lixo produzido (garrafas, copos, folhetos, folderes, bandeiras....) deve ser acondicionado em sacos plásticos a serem fornecidos pela instituição organizadora e jamais jogado no chão da cidade, formando um rastro de imundície;
- Devem ser gritadas apenas as palavras de ordem dadas pelos líderes do movimento, as macaquices devem ser guardadas para o momento da viagem ou para os amigos e familiares, após o retorno para casa;
- Em nenhuma hipótese o carro de som tocará músicas de axé, samba ou pagode.

Considero um vexame promover um movimento imenso, com os participantes bem organizados, identificados com camisetas padronizadas, portando bandeiras e faixas, lideranças à frente gritando palavras poderosas, buscando conduzir o grande grupo e "lutar" pelo que consideram de direito. A "luta" deve ser séria. Não pode ser transformada em festa, em evento, em farra.
Não foi assim que os movimentos sindicais se iniciaram no país e é uma pena chegarem a esse ponto.

Violência urbana


Lembro com profunda e verdadeira nostalgia meus tempos de infância e adolescência - não tão longínquos assim - em que podíamos sair de casa, brincar, pegar ônibus, voltar da escola caminhando, com a certeza de que chegaríamos tranqüilos, cansados, famintos e felizes em casa.
Hoje as coisas estão muito diferentes, infelizmente, e os pais vivem o constante dilema entre a superproteção, que pode sufocar e prejudicar o desenvolvimento da autonomia e da independência dos filhotes, e a liberdade que, mesmo relativa, sujeita a criança aos riscos da violência urbana.
Há três dias vivenciamos uma dessas situações que fazem parte do rol dos piores pesadelos de qualquer pai, na verdade, de qualquer cidadão ou cidadã. A filha de 14 anos de um casal vizinho do nosso prédio, voltava do curso de inglês (que fica a uma quadra daqui) e desapareceu. Até hoje não se tem notícias!
Estávamos há pouco numa corrente de oração, com vários vizinhos. Todo mundo extremamente sensibilizado, comovido, ansioso, sensível ao sofrimento dessa família e, claro, compartilhando um sentimento de impotência e vulnerabilidade perante o mal do mundo.
Clamamos a Deus pela vida dessa menina e pelo futuro de nossa cidade e nosso país. Que nossas instituições, nossas autoridades, nossa sociedade seja capaz de se (re)organizar de tal forma que possa corrigir e evitar que histórias como essas tornem-se alegoria "natural" de nosso cotidiano urbano.

sábado, maio 05, 2007

O mundo em duas voltas

Ontem fomos assistir, na sessão da meia-noite (acho isso tão romântico!), ao filme “O Mundo em Duas Voltas”, um documentário sobre a (segunda) viagem de volta ao mundo da Família Schürmann (a primeira, iniciada em 84, durou dez anos). Em pouco mais de 2 anos, eles seguiram a mesma rota (praticamente) de Fernão de Magalhães, Comandante que descobriu a passagem do Atlântico ao Pacífico, através de um estreito no sul da Argentina, que recebeu o seu sobrenome.
Engraçado como as coisas acontecem na vida da gente. Soube do filme por acaso, ouvindo uma entrevista do David Schürmann, filho e diretor, num programa de rádio que eventualmente ouço (e me divirto) ao ir para o trabalho – o “Transa Louca”. Além de uma oportunidade de prestigiar a produção nacional, achei que seria mesmo uma história muito interessante. Mas achei mais que interessante. O filme mexeu comigo, na verdade, conosco (descontando, claro, a parte que o marido recém-saído de uma comemoração com amigos dormiu. Nessas partes, só eu me emocionei!)
No site do filme – www.omundoemduasvoltas.com.br – que, aliás, está super bonito e bom montado dá para ter uma noção, mas quem gostar de ver coisas diferentes e tiver a oportunidade de ir, não deveria perder.
De tudo, o que mais me impressionou – fora a loucura de estar no mar, muitas vezes não tão pacífico, fora a maravilha de passar dias em lugares fantásticos como a Polinésia, fora a riqueza de conhecer povos tão diferentes e encontrar novos e velhos amigos, fora a emoção de chegar ao Brasil, em Porto Seguro, no dia 22 de abril de 2000 – foi uma personagem que esteve presente, fazendo as vezes de protagonista e figurante o tempo todo: a simplicidade. A despeito de todo o complexo planejamento e logística necessários para uma proeza dessas, trata-se do relato de uma vida simples. O registro de uma história de vida em família. Com suas dificuldades, suas delícias e suas peculiaridades. História de gente simples, mas extremamente especial.
No final, papai Vilfredo deixa uma mensagem que eu gostaria de repetir aqui, pois não compromete a surpresa do filme, é linda, e dita por alguém que tem toda a legitimidade para dizer. Era algo assim: “Estar no mar me faz pensar na importância de ter tempo para fazer as coisas que mais gosto, no caso estar com as pessoas que mais amo. Me faz pensar na importância de ter tempo para sonhar... e na importância de ter tempo para realizar os sonhos.”

P.S.: No site da família (http://www.schurmann.com.br), há outras informações sobre as estratégias para captação de recursos, busca de patrocinadores, os projetos e produtos associados e os resultados de todo o sucesso dessa viagem, que foi transmitida em tempo real para escolas e programas em vários locais do mundo.

terça-feira, maio 01, 2007

Estratégias de argumentação infantil

Eu sempre me admiro como as crianças estão se tornando cada vez mais hábeis nas diversas dimensões do discurso, do diálogo, da oratória. No que se refere à argumentação e à retórica elas se superam diaramente.
Cena doméstica. Segunda, véspera de feriado. Mãe já arrumada, pronta para sair. Pai, no banheiro, terminando do banho. Filha de 6 anos já tinha passado pela primeira fase de contestações junto à mãe, com direito à chantagem emocional e tudo:
- Poxa, por que vocês vão sair? Quando vocês saem eu fico triste.
- Ah, é? Então quando você quiser ir dormir na casa da sua prima, eu vou pedir para você ficar, porque eu também fico triste quando você sai!
- Ah não! Não é justo!
Passa-se, então, para a segunda fase, junto ao pai. A abordagem agora é menos emocional e mais lógica-racional:
- Aonde vocês vão?
- Ao cinema.
- Por que vocês vão ao cinema? Daqui a pouco o filme sai no DVD e vocês podem ver em casa!
- ?...