segunda-feira, março 23, 2009

Viajando de avião

Adoro viajar de avião. Com exceção de fila de check in e esteira de bagagens com aquela gente insensível que cisma de estacionar com seus carrinhos impedindo o fluxo democrático de viajantes e malas, tudo me diverte.

Desta vez nada afastou minha diversão, pois nem peguei fila nem despachei bagagem. Foi uma viagem de puro êxtase!

O check in foi na maquininha. Viva a tecnologia! Só precisei apresentar o documento e provar que eu era eu, num balcão sem fila, para uma moça simpática e lá estava eu na sala de embarque, pronta para paquerar as últimas vitrines.

Mas o melhor de tudo, o ápice, a sensação triunfal, foi a de desfilar no aeroporto apenas com uma pequena maleta de rodinhas, cujo peso eu nem percebia, e que facilmente seria acomodada no compartimento superior de bagagem de mãos. Eu passava por aquela multidão ululante (como diria Nelson Rodrigues), por aqueles executivos e executivas de notebook, com uma cara de 'viram, como sou prática e simples, só levo uma valise de mãos!'.

Bem, também tinha a cara de 'Ops, vocês tão na fila? Ah, eu não, só levo bagagem de mão!", . Meu marido tentou em vão estragar minha alegria dizendo "não é muito mérito, só vamos passar um dia." E daí?! Isso absolutamente não importa! Dei de ombros e continuei com minha cara de orgulho e superioridade. Só levava uma maletinha!

Olhar os passantes e pensar o que fazem, para onde vão também me diverte. Dessa vez tinha uma moça que vestia um short branco na altura da dobra das coxas, uma blusa verde colada, decotada na frente e atrás, além de uma sandália de plástico de saltos altos. Saíamos do avião. Primeiro pensei o que ela fazia para ganhar o pão de cada dia e se por acaso vinha direto da praia. Depois lembrei que saíramos de Brasília e em Brasília não se vai nem à padaria com um short daqueles. Se bem que, ao shopping, talvez... Depois me dediquei a pensar se ela não tinha passado frio, porque eu, a despeito das meias e do casaco, ainda tinha as mãos duras de geladas e a garganta doendo do ar condicionado siberiano do avião. Uma vez ouvi dizer que piriguete não sente frio. Seria o caso? Menopausa não devia ser. Era jovem para isso. Mas não tão jovem também, não sejamos precipitados. Certamente tinha mais de 8 anos, o que definitivamente contra-indicava o visual. Para minha surpresa estava acompanhada. O rapaz usava bermudão e blusa de malha. Será que era namorado? O que devia achar do outfit da outra? Nessa hora chegamos à escada rolante e tive que administrar simultaneamente meus pés e as rodinhas da mala nos degraus e esqueci a moça.

Também teve o casal de gordos que parou no meio do avião, impedindo o fluxo de entrada dos passageiros, enquanto discutiam animada e tranquilamente os assentos de cada um. Por um momento, se esqueceram onde estavam. Que não se tratava da poltrona da sala de estar da casa deles. Querendo ser paciente, esperei um pouco para ver se se mancavam, como isso não aconteceu, precisei dar um leve cutucão e um olhar fulminante do tipo "e aí? Pode ser ou tá difícil?"

Ah, e o passageiro do lado? Que vinha da Austrália, não falava português e dormia de boca aberta. Era tão simpático o velhinho!

Totalmente diferente do que encontrei uma vez num voo nos Estados Unidos. Naquela época eu não era totalmente simples e prática embora já sonhasse em viajar como a moça esguia à frente, que desfilava pelo saguão elegantemente de talleur, uma mala Prada e um chapéu. Em vez disso, me descabelava nos corredores do aeroporto de Denver (ou seria Dallas?) tentando encontrar o meu portão de embarque que ficava a léguas de onde chegou minha conexão. Não bastasse as sacolas de mão que carregava - uma necessaire, compras do freeshop (pobre não pode ver um freeshop), as últimas coisas que não entraram na mala, livros para leitura no avião - resolvo tomar um Mocca na Starbucks. Sempre tenho que tomar um Mocca na Starbucks. Em Brasília não há Starbucks!

Enquanto terminava meu café e antes que o fizesse, chamaram para o embarque. A maioria das pessoas já o tinha feito. Inclusive o casal de senhores nas cadeiras à minha frente. Ao contrário dos brasileiros, geralmente solícitos, lá ninguém se importava se você tinha mil sacolas para guardar num maleiro que você não alcança. Ema, ema, ema, cada um com seu problema, eis o lema. Acontece que nesse malabarismo, um restinho do café, que felizmente já estava frio, caiu na calça do senhor da fileira da frente. Quase morri de sem graça. Iniciei uma ladainha de Oh, my God, I'm sorry! Oh, my God, I'm sorry! O infeliz do velho não teve a grandeza nem de me dar um olhar de fuzilamento ou abrir a boca para me xingar. Em vez disso, continuou lá impassível, parado que nem uma figueira, com cara de paisagem, olhando a poltrona da frente. Desisti de continuar demonstrando minha comoção, terminei de guardar a tralha e sentei no meu lugar. Já estava aproveitando a viagem, o incidente fazia parte de um passado remoto, quando a velha (esposa do velho) vira pra trás e, por entre o vão das cadeiras, me diz que eu deveria ressarci-los, que eles tinham um compromisso em seguida e ele não podia ir com aquela calça, que teria que comprar outra... Eu, meio sem entender, meio sem acreditar, meio em choque, temendo ser encaminhada para alguma sala de tortura de latinos caso não cedesse às condições impostas pela broaca americana, apenas perguntei quanto era. Taxativa e naturalmente, informou: 35 dólares. Dei duas notas de 20 e pedi que ficasse com o troco, para mostrar como somos generosos os brasileiros. Ela virou de costas, o marido tal qual antes continuou olhando para a poltrona da frente, e todos seguimos o rumo de nossas vidas.

É bem verdade também que em relação a tipos, nada se compara a uma viagem de ônibus. São sempre mais interessantes e divertidas. Quanto mais longa, melhor. Mas, já não tenho mais idade, nem estômago para elas. É diversão além da conta. Com o passar do tempo e o avançar da idade, não podemos abusar muito. Atualmente cultuo a moderação.

quarta-feira, março 11, 2009

Inocentes comentários masculinos

Nessa semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher (e que eu lamento a existência ou a necessidade da existência dele) me lembro de alguns inocentes comentários masculinos que demonstram o grau de machismo existente em nossa sociedade, que vai muito além do considerar a mulher frágil, puro objeto de desejo ou, de outro lado, saco de pancadas. Aliás, eu nem sei aonde vai, só sei que não é um bom lugar.

- No posto de gasolina:

Posto cheio, fila em todas as bombas, a do meio esvazia. Eu que, modéstia à parte, dirijo bastante bem, faço uma baliza rápida e perfeita para entrar e parar bem ao lado da mangueira. O frentista, impressionado, elogia: "nossa, tem muito homem que não consegue fazer uma baliza assim!"

- Na cafeteria:

Após uma ampla pesquisa em sites e revistas, escolhemos conhecer uma cafeteria nova, recém-inaugurada, bastante transadinha, decoração moderna etc e tal. Chegamos ao local, há uma estante com as últimas edições de diversos periódicos e vários jornais do dia. Eu e maridão adoramos. Vamos direto escolher uma. O garçom solícito vem nos ajudar: "Bem, para você, que é mulher, tem a Ti Ti Ti, a Contigo, a Caras... Mulher adora essas coisas, né?", comenta olhando em direção ao marido esperando a confirmação. O outro, por sua vez, conhecedor da clientela que tem, apenas dá uma olhada meio tensa para mim que, num momento de alta compreensão à simplicidade do estereótipo feminino do rapaz, apenas comento "bem, na verdade, eu prefiro outros gêneros."

- No trabalho:

Havia surgido uma oportunidade única do meu diretor indicar um servidor de meu nível hierárquico para fazer um curso de alto nível em uma vaga surgida da desistência, na véspera, de um outro diretor. Ele decidiu por indicar um outro colega e depois veio me explicar "eu até pensei em mandar você, mas como você é mulher, tem filho, casa para cuidar, imaginei que não fosse topar, então já falei com o Fulano de Tal". Mas, puxa, nem para me perguntar antes??

- Na saída do trabalho:

Encontro um colega na porta e vamos conversando em direção ao estacionamento. Como é usual em pessoas ansiosas ou impacientes, ando em ritmo acelerado, a despeito dos sapatos de salto. Ele comenta surpreso: 'nossa! Você anda rápido para uma mulher!'

A pergunta é: o que eles sinceramente pensam de nós ou do que somos capazes???

domingo, março 08, 2009

Feliz Dia da Mulher!

Hoje comemora-se o dia internacional da mulher. Eu não comemoro. Primeiro, porque o próprio fato de se ter um dia especial significa que ainda falta muito para se caminhar, que o digam os índios e os negros. Segundo porque as estatísticas e as notícias no jornal confirmam isso.

Em pesquisa do DataSenado feita com 827 mulheres de todas as capitais do país, dezenove por cento revelou ter sido agredida dentro de casa, por marido, companheiro ou namorado em 81% dos casos. Fico imaginando quantas não revelaram e como é a situação fora das capitais. Destas, apenas 28% fizeram denúncias. 70% não convivem mais com o agressor (contrariando a máxima de que "mulher gosta de apanhar").

Também se pesquisou que 48% das entrevistadas conhecem a Lei Maria da Penha e 35% já ouviu falar da legislação. Sinceramente tenho dúvidas da extensão desse conhecimento.

Aliás, ultimamente também se comomora muito essa lei (Lei 11.340, de 2006). Seu texto é realmente sublime, embora tenha vindo com alguns séculos de atraso. Mas, assim como o ECA, está longe de ser vivenciado na prática.
Ele diz assim, em seu início:

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. (...)


O problema, além da dificuldade de se fazer cumprir tudo o que estar ali, é ainda a mansidão das penas. Foram proibidas as penas alternativas, como pagamento de multas e cestas básicas. Como assim? Antes era possível? Tipo espanca a mulher e paga uma cesta básica para as crianças que tem fome? O crime de ameaça passou a ser punido com até seis meses de cadeia, a violência física pode resultar em até um ano de detenção, lesão corporal em até três e, quando a agressão resulta em morte, a pena chega a 12 anos de reclusão!!!

Espera aí, o 'ex' machão espanca até a morte a mãe de seus filhos, que estará mortinha da silva para sempre, pega no máximo 12 anos de cadeia e ainda corre sério risco de ser solto bem antes, por "bom comportamento"???

Estamos comemorando o quê mesmo?? Nosso código penal é que não é!

Essa semana duas notícias me deixaram profundamente incomodada. Uma foi a da criança pernambucana de 9 anos, engravidada pelo padrasto, após ser molestada por 3 anos seguidos. Não sei o que me causou mais espanto - o caso em si (que reconheço está longe de ser raro, o que é trágico e revoltante) - ou a celeuma em torno do aborto. É por essa e outras que não consigo sentir-me parte nem freqüentar essa Igreja na qual fui batisada. Como partilho da mesma opinião e concordo em gênero, número e grau com a equipe médica que fez o procedimento, considero-me igualmente excomungada e isso nada me incomoda. Mas me incomoda muito o criminoso receber tamanha clemência e compreensão eclesiástica, por seu crime ser "menor". Adorei a repórter da Band que disse para o bispo "com todo o respeito, mas o senhor não diria isso se fosse mulher". Sinceramente, não considero que ser violentada por três anos seguidos, engravidar e correr risco de morrer, ter a infância usurpada, correr risco de desenvolver inúmeras doenças, de ter inúmeros traumas e seqüelas físicas e psicológicas para o resto da vida é menos grave que um aborto de um embrião que não deveria ter sido concebido.

Outra notícia, esta local, de um polícial militar de 39 anos que teve a audácia de agredir a ex-namorada de 23, no estacionamento do Palácio do Buriti, sede do governo do Distrito Federal. O indivíduo, além de tê-la esmurrado na frente de várias pessoas, arrebentou a coronhadas o carro do colega com quem ela tinha ido almoçar, junto a mais três amigas, deu três tiros (com uma arma calibre .40) contra policiais (e qualquer alma viva que passasse por ali) e resistiu à prisão. O gracioso, como tantos outros, já respondia a dois processos por agressão a mulheres. Mas como é de praxe no sistema penal brasileiro - direito à liberdade total e de cometer novos e tantos crimes até que se prove em todas as instâncias que você fez o que todo mundo sabe que fez.

Novamente pergunto. Comemorar o quê? Direito de viver, de não ser agredida, violentada, de trabalhar, de votar, de ser cidadã, de ter ampliado o número de mulheres na política e nas comitivas olímpicas??? Isso é só o mínimo. Por isso as celebrações deverim ser tão mais cautelosas. Eu quero muito mais!!!

Quero um mundo em que homens e mulheres, com todas as suas diferenças, coexistam em igualdade no mundo. Quero que as mulheres sejam também escritoras da história, protagonistas de sua vida e do mundo em que vivem. Que tenham domínio do seu corpo, que possam ser livres para fazer suas escolhas. Que os homens sejam realmente companheiros, que assumam igualmente a paternidade e a vida doméstica, que lutem por creches que cuidem das crianças para que as mães tenham, na prática e não somente no texto da lei, os mesmos direitos masculinos.



Para não terminar de maneira tão pessimista, posso dizer que, em particular, EU tenho muitas razões para ser feliz nesse dia em que recebo rosas. Estou satisfeita com minha feminilidade, com meu corpo e todas as suas nuances – causas de dores mas também de prazeres, com meu lugar no mundo ( nesse país com tantas mazelas mas tão bom de se viver e tão melhor que muitos outros). Posso comemorar porque me realizo com o meu trabalho, com a minha filha, que me possibilitou experimentar a maternidade e me transformar com ela e, sobretudo, com o meu marido – companheirão 100%, homem com H, que divide comigo a vida – o que inclui a parte boa e toda a burocracia nela envolvida (contas, supermercado, eletrodoméstico com defeito, ralo entupido....), que tanto me ensina e que também aprende comigo, que me permite desfrutar de minha tão preciosa individualidade e liberdade e me faz tão feliz, amada e respeitada. Que desde muito cedo percebeu que não suporto concessão de vez, abertura de porta de carro, ou qualquer gentileza que possa custar ou significar perda de lugar no mundo. Não quero ser tratada como bibelô, como um brinquedo fragilzinho, que tem que ser cuidado e mimado. Não sou objeto e me recuso a ser tratada como tal. Sou sujeito. Sou gente. Sou humana. Sou mulher. Não pertenço. Partilho. Decido. Escolho.

Isso EU posso celebrar.

A todas as mulheres do mundo, o desejo de que um dia todo dia seja dia da mulher.
(e dos negros, dos índios, dos judeus, dos deficientes físicos e mentais, das crianças, dos animais silvestres, das baleias, das florestas...)

Aproveito, ainda, para desejar que todas as pessoas vivam em paz, num mundo sem posses nem fome ou religiões, numa fraternidade de homens e mulheres igualmente compartilhando o mundo.

Aliás, tenho a impressão que algum sonhador já imaginou isso antes....