domingo, julho 06, 2008

O que eu queria ser quando crescer


Hoje, aos 36 anos, descobri o que gostaria de ser quando crescer.
Se algum amigo de papai ou mamãe fizesse essa original pergunta para mim, eu responderia sem titubear: quero ser poeta!
Ai, que vontade de ser poeta!!!

Se eu fosse poeta, meu céu teria mais nuances, eu poderia enxergar de olhos fechados e sonhar de olhos abertos. Certamente seria capaz de cheirar mil aromas e ouvir o sonido de asas de borboletas. Faria poemas de engarrafamentos, crianças desnutridas e gente desrespeitada. Minha vida teria mais cor e eu seria mais feliz.

Mas não! Não ganhei esse dom. Sou prática. Olho a vida como ela é. Sem lirismo algum.

Hoje saí para dar uma caminhada. O céu estava azul e tinha algumas nuvens. Estava calor e tinha uma brisa agradável. Uma lagartixa cruzou meu caminho. Na segunda volta, duas lagartixas cruzaram meu caminho. Nossa! Se eu fosse poeta, isso me renderia versos incríveis!!
Mas não sou.

Acho que não há faculdade para ser poeta, embora existam grupos que incentivem a criação. Mas duvido um pouco da eficácia deles. Fico meio na dúvida se é possível tornar-se poeta. Tenho a impressão que se nasce ou se criam poetas, naquelas casas onde se respiram histórias e palavras são como quindins ou brigadeiros, saboreadas e devoradas a cada refeição.

Não se trata de técnica, métrica, ou rima, embora sejam elementos relevantes. Não se trata de ampliação vocabular e de estudos lingüísticos, embora sejam importantes. Trata de se ter coração, mente, olhos, mãos, bocas, narinas e ouvidos poéticos. Trata-se de enxergar, cheirar, ouvir... de maneira singular e colorida. Os olhos do poeta são capazes de ver trezentas vezes mais cores que os olhos dos outros humanos. Sua sensibilidade é mil vezes maior do que a média da humanidade.



Um poeta pode até sofrer com mais intensidade e profundeza, mas em compensação o resultado de suas dores é dança e música para os olhos, obras para a posteridade, consolo e alento para dores alheias. As dores dos poetas fazem mais sentido e são mais belas e produtivas.
Se minhas fossas gerassem algo de nobre, eu teria mais conforto e seria mais feliz.

Se pudesse, faria um curso para ser poeta.

Numa faculdade de poesia, algumas disciplinas seriam obrigatórias, como Contemplação da natureza; Amor, Paixão e Sexo I e II; Desilusões Amorosas; Auto-conhecimento; Rindo de si mesmo; Doença e solidão; Paz e guerra; Vida e morte; Desenvolvimento dos sentidos. Obviamente, que não bastariam aulas teóricas. A prática seria muito importante nessa formação. Estágio e trabalho de campo.

Para ser poeta, é preciso aprender a olhar para si e enxergar o que normalmente não se quer ver. É preciso aprender a pagar mico com naturalidade. É preciso compreender o patético humano e se resignar. É preciso amar e desamar, com paixão e com ardor, com intuição ,ao avesso e do avesso. É preciso enxergar as borboletas dos cemitérios e sentir o âmago da luz.

Para ser poeta, é preciso saber falar sobre tudo de outra forma. Por exemplo, poeticamente pode-se dizer que a saudade "é arrumar o quarto do filho que já morreu"* ou que a saliva "é a lágrima da alegria"**.
Para mim, saliva é cuspe e saudade é foda. Aprendi a dizer a vida da maneira simplória e fria como a vejo.

Se eu fosse poeta, veria a vida mais bonita, mais romântica, mais verdadeira. Saberia captar os tic-tacs dos relógios, sorveria cada detalhe do meu amado, perceberia cada gota de suor, cada pêlo eriçado, acordaria cantando todas as manhãs, faria rima do mau-humor, praguejaria com elegância.

Se eu fosse poeta, aproveitaria cada tristeza e cada alegria. Saberia ser triste e ser feliz.

Ah, que vontade de ser poeta!



* Chico Buarque (Pedaço de Mim)
** Fabrício Carpinejar (Ainda é, mesmo quando já foi. O Amor Esquece de Começar. Ed. Bertrand Brasil)

Um comentário:

Luiza Helena disse...

Querida,
Não existiriam poetas e muito menos poesia se não houvesse quem lesse e se encantasse...
A vida é um milagre, precisamos de todas linguagens pra podê-la descrever e compartilhar.
Você está de parabéns, cresceu e se tornou uma mulher talentosa, afetuosa e sensível como poucas pessoas que conheço.
Beijos,
PS.: Obrigada pelas visitas e comentários.