quinta-feira, janeiro 14, 2010

Tristeza, alegria e a vida como ela é...

Ano passado descobri e me apaixonei pelas Memórias e Confissões de Nelson Rodrigues(crônicas diárias que eles escrevia para os jornais Correio da Manhã e O Globo no final da década de 60, início da de 70). Entrei em contato com elas por meio das recentes e maravilhosas publicações da Editora Agir. Tratam-se de reedições muito bonitas e bem acabadas de O Óbvio Ululante, O Reacionário, A Cabra Vadia, A menina sem estrela, crônicas selecionadas pelo próprio Nelson, que devorei seguidamente, uma após a outra, além de algumas de 'A vida como ela é...' e seu único romance - O casamento.

Agora estou lendo O Anjo Pornográfico, sua fantástica história de vida, escrita por Ruy Castro. E como falei há pouco de tristeza, dor e tragédia (coisas de que era mestre e que conheceu de perto), senti vontade de transcrever aqui um trecho do livro em que ele explicava a sua coluna diária "A vida como ela é...", que muita gente acusava ser de 'uma imensa tristeza'. Disse ele:

Na minha opinião, "A vida como ela é..." se tornou justamente útil pela sua tristeza ininterrupta e vital. Uma pessoa que só tenha do mundo uma visão unilateral e rósea, e que ignore a face negra da vida, é uma pessoa mutilada. Por outro lado, nego a qualquer um o direito de virar as costas à dor alheia. Sei que nenhum de nós gosta de se aborrecer. Mais importante, porém, que o nosso frívolo conforto, que o nosso alvar egoísmo - é o dever de participar do sofrimento dos outros. Há uma leviandade atroz na alegria!

Resta mencionar um episódio que marcou decisivamente essa seção. Dias antes de começar "A vida como ela é..." estive, acidentalmente, numa policlínica. Lá, numa sala apinhada, estava um menino de três ou quatro anos, no colo materno. Súbito, a criança começa a chorar. Mas seu pranto era diferente: ele chorava pus. Desejo ser sóbrio, mas permitam-me dizê-lo: viva eu cem, duzentos, trezentos anos e terei comigo, cravada em mim, essa lágrima espantosa. Durante meses, tive vergonha de minha alegria, remorso do meu riso, horror de minhas lágrimas normais e apresentáveis. Por vezes penso: rir num mundo tristíssimo é o mesmo que, num velório, acender o cigarro na chama de um círio.


Não acho que toda alegria seja leviana, nem que não tenhamos direito a ela porque alguém no mundo sofre. Acho até que a busca da verdadeira alegria é uma das grandes razões de nossa existência. Mas a alegria inconsciente, aquela alegria distraída, displicente, desconectada, irresponsável, que desconsidera ou nem percebe a dor alheia ou por vezes simplesmente ignora esse outro ao nosso lado o é. Essa alegria não desejo para mim, nem para ninguém.

Um comentário:

Flavinha disse...

Ju,

tenho propósito de este ano ler bem mais do que li nos anos anteriores e passo a pensar em colocar Nelson Rodrigues na minha lista...

Beijocas.