Às vezes ouço algumas pessoas espantadas com as nossas crianças, como se fossem precoces ou mais inteligentes que as de gerações passadas. Discordo totalmente disso. Não vejo um progresso da inteligência, embora haja, sim, uma diversidade em sua expressão e nos estímulos atuais.
Hoje as crianças tem habilidades digitais impensáveis há alguns anos. Por outro lado, quero ver uma criança de hoje fazer malabarismo com pipas ou carrinhos de rolimãs como nossos colegas faziam.
É certo que muita coisa mudou. As relações entre pais e filhos, as formas de se comunicarem e o comportamento de uns e de outros também estão diferentes.
Noite dessas estávamos em casa eu e minha filha de 8 anos. Marido estudante estava na aula. Era quase hora de ela deitar-se e não me lembro exatamente o que aconteceu que acabamos discutindo. Ela saiu da sala e eu fiquei lendo um livro. Daí a pouco meu celular apita e recebo a seguinte mensagem:
“Mãe fui grossa até demais com você, e por isso eu mesma me ponho de castigo. (Dormindo sozinha). Mas se quiser empedir (sic) isso, é só ir lá deitar comigo! Deeeeesculpa mesmo. Boa noite.”
Percebi que realmente algo mudou nas crianças de hoje. Antigamente elas fugiam ágeis e intrépidas das surras, corriam pela casa, pulavam muro de vizinho, só apareciam quando a raiva dos pais já havia passado. Castigo? Nem pensar. Contraproducente para os pais, inimaginável para as crianças.
Hoje, finalmente, as surras foram configuradas como violência doméstica e consideradas brutais e ineficazes. O diálogo e o castigo ‘para pensar’ apareceu como uma forma de levar a criança à reflexão sobre o comportamento inadequado.
Com tudo isso, acaba que hoje a consciência infantil é maior que a de muito adulto por aí. Hoje nós, pais, não precisamos nos preocupar muito. Nossa participação é meramente coadjavante. Hoje, as próprias crianças se estipulam limites. São capazes, inclusive, de estipular a penalidade de acordo com o crime cometido. A minha foi grossa ‘até demais’ e, por isso, iria dormir sozinha. Abriria mão da minha presença a seu lado, na cama (sempre gosta que eu vá acompanhá-la até cair no sono). Quem dera que nossos criminosos tivessem tamanho senso crítico!!
Também percebo que têm mais consciência do perdão. Bem verdade também que tiveram oportunidade para aprender e praticar. Hoje os pais perdoam bem mais que no passado. As crianças que fugiam da surra correndo em volta da mesa e pulando o muro do vizinho também insistiam no pedido de perdão, entre lágrimas e risos, mas não me lembro de concessões. Os pais de antigamente eram bem mais impiedosos.
As crianças de hoje não somente acreditam no perdão paternal, como se aproveitam do sentimento que ele evoca para convencer-nos de como livrá-los do martírio. Convenientemente auto-imputado, diga-se de passagem.
Talvez as crianças de hoje não sejam mais inteligentes. Talvez, porém, estejam mais espertas. Ou será que nós, pais, estamos mais bobos?
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