Matérias e matérias são publicadas todos os dias ressaltando os benefícios da convivência de crianças com bichos de estimação. Quem poderia dizer o contrário? Eles são fofos, enchem a casa de alegria e permite que as crianças, além de desenvolverem seus afetos, aflorem seu senso ecológico, de responsabilidade e dever. Tudo muito lindo.
Mas como resolver essa questão na prática? Como incluir um animal com necessidades várias, manias, pêlos muitas vezes, na rotina de uma família de classe média, dependente de empregada doméstica para seu bem-estar físico e emocional, cujos provedores trabalham muito e fora de casa, cada membro tem uma rotina atribulada para vencer, moradora de uma cidade grande, em que o trânsito e a violência urbana é cada vez maior? Como???
A filhotinha é apaixonada por bichos. Desde sempre. Tanto faz e qualquer um. Todos. Dos insetos aos mamíferos. Nada escapa a seu amor e admiração incondicionais. A beleza não lhe importa, todos são igualmente lindos diante de seus olhos. Encanta-se com viralatas sujos e pulguentos como se fossem filhotes da Lessie.
Uma vez fomos a uma festa infantil cuja lembrancinha era um periquito numa gaiola. Quem aqui é a favor da inovação nas festas, levante o dedo e retire-se do recinto, por favor. Cadê os saquinhos de balas, chicletes, pirulitos, apitos e linguas-de-sogra insuportáveis? Eram maravilhosos!!! Por que atormentar os pais com a companhia imposta de um ser vivo?! Mas imagina se se pode negar abrigo a um pássaro engaiolado esperando para ser acolhido, nas mãos de uma criança pidona. Leva-se o periquito para casa.
Claro que os corações piedosos não agüentam vê-lo numa morada tão singela e logo ampliam seu habitat, para uma quase mansão, com pontos de lazer, um abrigo, novos recipientes para água e ração. Um espanto! A gaiola ocupava um terço do volume da área de serviço. Mas tudo pelo bem-estar geral da casa. Aos domingos, pai e filha fechavam todas as janelas, retiravam o bicho da gaiola e tentavam amestrá-lo em seus ombros. O bicho assustado voava pela casa, inclusive na direção da mãe apavorada e nada ecológica que corria gritando em direção ao primeiro cômodo onde pudesse se isolar em segurança.
Na mesma ocasião, criávamos um outro animal. Um beta. Aquele peixe que mora sozinho em pequenos aquários. O nosso vivia em um aquário de 5/6 litros, o que não era exatamente tão mini. De 15 em 15 dias, tínhamos que trocar metade da água do aquário, lavar as pedras e colocá-lo na água preparada (metade velha, metade nova com ph ideal de 7,2 e aplicação de produtos para retirar o cloro e outras frescuras). O pai era responsável pela retirada do peixe e lavagem das pedras, a mãe era do departamento de águas, a filha assistia e participava de tudo. Era ela também quem cuidava da alimentação diária e que colocava o peixe para malhar. Sim, por 30 minutos ao dia, ele deveria exercitar-se, o que era feito instalando-se um espelho à frente do aquário, para que o bichano pensasse que era outro peixe e nadasse ferozmente de um lado para o outro e fizesse poses de ataque para o inimigo ameaçador.
Quando viajávamos, tínhamos que levar os bichos para casa de amigos que cumpriam afetuosamente a mesma rotina que os animais tinham em casa. Quem já transportou um aquário sabe do que estou falando. É o momento em que se repara como são tortuosos os asfaltos de nossas ruas.
Hoje, nenhum dos dois estão mais conosco. O periquito, numa de suas saídas dominicais, na presença do padrinho e de um amigo, escapuliu por um basculhante esquecido aberto e aventurou-se por destinos desconhecidos. Até hoje ainda há choros e lágrimas por conta dessa lembrança trágica, ainda que a mãe tente convencer a pupila que o passarinho encontrou uma passarinha, tiveram lindos filhotinhos e viveram felizes para sempre em uma árvore frondosa e cheia de alimentos.
Quanto ao peixe, conta a versão oficial que, na época da reforma do apartamento, ele foi doado a um vizinho que adorava animais e cujo peixe tinha recentemente falecido. Dizem as más línguas que o peixinho, que andava doente ultimamente, teve destino diverso. Até hoje persiste essa controvérsia.
Enfim, passado quase um ano sem nenhum animal nessa casa, tendo em vista os sucessivos e intermináveis pedidos, a alergia a gatos e à impossibilidade de conciliar nossa vida a de um cachorro, decidimos criar um aquário.
Sim, criamos um aquário, os peixes são apenas uma ínfima parte, um quase detalhe, na árdua tarefa de criar aquários.
A filhotinha aceitou conformada a oferta do peixe. Cansados da ladainha de troca de água, decidimos que queríamos um aquário com filtro, para diminuir o trabalho. Ansiosas, fomos à loja especializada, doidas para escolher os peixes. Lá chegando fomos informadas que poderíamos levar o aquário. Apenas. O aquário, a areia e os enfeites. Os peixes, apenas uma semana depois, quando estivesse criada a biologia do local.
Levamos a caixa de vidro para casa, enchemos pacientemente seus 35 litros de água com uma jarra com capacidade de um litro e meio (fiz aproximadamente umas 20 viagens banheiro-quarto-banheiro), aplicamos as soluções apropriadas, fizemos as medições e ajustes de ph. Uma semana depois, voltamos para pegar os peixes. Pelas dimensões, poderíamos colocar uns 12. Oba!
Mas calma!, não agora. Vão levar o primeiro cardume (de 4 peixes) e dois peixes "limpa vidros". Depois da adaptação, em cerca de uma semana, podem voltar para pegar o segundo cardume, mais duas coridoras (que são peixes limpadores do fundo do aquário). Na terceira semana, se tudo estiver correndo bem (o que significa todos os peixes vivos), podem pegar o último e mais sensível cardume.
Bem, resumindo. Pegamos a primeira leva. Cultivamos. Quando estávamos prestes a voltar para pegar a segunda leva, algo aconteceu. Ainda não sabemos. Suspeitamos da amônia (outro teste para medição), mas a taxa não estava tão alta para causar morte. No dia da morte, houve também uma confusão e acabamos por alimentar duas vezes os peixes, será que foi isso? Não sabemos. O fato é que chegamos para dar a ração da noite e um 'limpa vidro' jazia no solo de areia. Fiquei meio agoniada, confesso. Eu é que não tiraria aquele peixe dali!
Chamamos o pai e fomos todos acompanhar a cerimônia de adeus ao peixe. A filhotinha assumiu toda a operação. Com a rede, retirou o cadáver do fundo d'água. Em procissão, seguimos todos ao banheiro principal. Decidimos que seria jogado no vaso, para a rede de esgoto. A filha derruba o falecido lá dentro e fecha a tampa. Pergunta o que fazer. O pai explica que terá que dá a descarga. Ela apoia a mão no botão, fecha os olhos e chora. Os pais se entreolham com o coração partido e sentindo todo o drama do momento. Duvidamos que ela conseguirá prosseguir com a operação. O pai pergunta se quer que execute a descarga. Ela respira fundo e diz que não. Abre os olhos, olha em direção à válvula, respira fundo novamente e pressiona o botão final. Em seguida nos abraçamos todos para acolher suas lágrimas e sua dor.
No dia seguinte, saímos para o trabalho. Quando voltamos para o almoço, ela já tinha saído para a aula e deixado o seguinte bilhete, escrito num pedaço de papel:
"Pai, o outro "limpa vidro" morreu. Não tirei ele do aquário pra você vê (sic) e tirar ele.
Beijos, Júlia.
BUÁÁ"
Criar bichos de estimação também nos dá oportunidade de ensinar as crianças a lidar com as dores e as perdas. Se é que é possível se ensinar ou se aprender isso.
Um comentário:
Meus sobrinhos também estão criando peixinhos, mas até onde eu sei os bichinhos não vão muito bem... Certamente porque eles não estão tendo este tratamento vip! Certo é que os pequenos por aqui também estão aprendendo a lidar com as perdas!
Beijocas
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