terça-feira, outubro 23, 2007

Gerúndios e gerundismos

O gerúndio é um tempo verbal muito útil, que se destina a expressar ações em desenvolvimento. "Neste momento, estou digitando no meu teclado." Indica uma ação que está ocorrendo agora, mas que continuará no futuro próximo.
Também pode ser usado para uma ação que se desenrolará no futuro. Se uma amiga me ligar querendo marcar um encontro no próximo fim-de-semana, posso responder: "sinto muito, mas estarei viajando a semana inteira, podemos marcar em outra data." Ou, claro, também no passado: "Desculpe-me, não pude ir à reunião porque estava participando de uma competição naquele horário."

Tudo muito simples, tudo muito óbvio, parece que todo falante de língua portuguesa compreende isso. Mas não é bem assim. De um tempo para cá, as pessoas começaram a super-utilizar o gerúndio, estendendo seu uso para ações que seriam pontuais. Os serviços de telemarketing e atendimento ao cliente parece que contribuíram para essa epidemia. Essa distorção ficou conhecida como gerundismo:

- Fique tranquilo, que estarei enviando sua reclamação para o setor responsável.
- Estaremos encaminhando sua solicitação imediatamente.
- Estaremos abrindo um chamado do seu problema e retornando sua ligação.



Isso causa certa antipatia, mas atingiu proporções governamentais aqui na capital federal. Início deste mês nosso governador atingiu notoriedade, após a publicação de um decreto que versa sobre o tema, o qual não poderei deixar de transcrever abaixo:


"Decreto nº 28.314, de 28 de setembro de 2007.

Demite o gerúndio do Distrito Federal, e dá outras providências.

O governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe confere o artigo
100, incisos VII e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, DECRETA:

Art. 1° - Fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal.
Art. 2° - Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA.
Art. 3° - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 28 de setembro de 2007.

119º da República e 48º de Brasília
JOSÉ ROBERTO ARRUDA"


Algumas perguntas que não querem calar:
- Dentre as atribuições listadas no artigo 100 da Lei Orgânica do DF encontra-se legislar sobre a utilização dos tempos verbais, por meio de DECRETO?
- Quando o Gerúndio tomou posse? Que cargo e função ele exerceu no Governo todos esses anos e como ele podia estar simultaneamente em todos os órgãos do GDF?
- Em que gramática está documentado que a função do gerúndio é ser desculpa de ineficiência??
- Quais são as disposições em contrário??

Enquanto não descubro as respostas para as minhas quatro perguntas, aproveito para a contar o acontecido de hoje em meu local de trabalho, uma repartição pública do governo federal, onde - ainda, pelo menos - podemos lançar mão de todos os tempos verbais, como rezam as cartilhas democráticas. Aliás, até comentávamos na seção - enquanto dobrávamos e envelopávamos centenas de folderes para um evento - que felizmente não estávamos no GDF, senão não poderíamos fazer aquela tarefa. Lá, ou você envelopa, ou já envelopou ou vai envelopar. Ficar por duas horas envelopando não seria permitido. Nem passar uma hora e meia redigindo um parecer ou a tarde inteira atendendo ao público. Não sei como ele vai conseguir ser eficiente, eficaz e efetivo, desta maneira. Mas, perdoada a digressão, voltemos ao causo:

Toca o telefone. Era outro ramal, mas puxo a ligação no segundo toque, como manda o manual.
- Centro de Formação, Juliana, bom dia!
- Eu queria falar com a pessoa responsável pelo evento que vai acontecer em Salvador.
- Ela está em uma outra ligação neste momento. Você quer aguardar um instante?
Deixo passar alguns segundos para ver se minha colega finaliza o telefonema...
- Veja, você não prefere que eu anote seu número e ela te ligue quando terminar a ligação?
- Ah é bom, porque estou falando da Bahia. (breve pausa) Aí ainda é permitido o gerundismo, é?
- Como assim?! (surpresa!) Eu falei "você não prefere que ela te ligue?", não usei gerúndio!!?
Neste ínterim, minha colega termina a ligação.
- Olha, ela terminou a ligação, posso transferir você para ela agora.
- Ah, é melhor, né? Vamos deixar o gerundismo de lado!
- ???

Agora, na Bahia, gerundismo tem outro significado???!!!

4 comentários:

Keiko disse...

Ah Juliana, na Bahia tudo pode ter outro significado, "falando" a esposa de canadense criado na Bahia. Agora, demitir o gerúndio foi realmente engraçado, pra não dizer outra coisa.

Beijinho,
Keiko

Flávia disse...

O gerundio foi demitido do DF ? Nao tinha ouvido esta. Ha ha ha ha, eita demissao benvinda, ainda que por decreto do governador !

Sem co-men-ta-rios !

PS: Aqui, neste computador de gringo, os acentos e cedilhas tambem foram demitidos.

Beijinho.

Unknown disse...

"envelopando" e "falando", nessas circunstâncias não qualifica "gerundismo". A forma gerúndio existe na norma culta da Língua Portuguesa e, seu uso, é perfeitamente correto. Gerundismo é o uso excessivo do gerúndio, um vício de linguagem.

Juliana Werneck disse...

Sim, Deusilene, creio que isso está bem claro no texto. O motivo da graça é que no decreto do governo, a proibição se referia ao 'gerúndio' e não ao 'gerundismo', o que ainda seria engraçado. Se abolirmos o gerúndio, como nos referiremos às ações que legitimamente exigem continuidade, como falar e envelopar? Essa é a questão.