Essa semana, um colega voltou de uma viagem de 22 dias, que começou nos Estados Unidos, passou pelo Egito, chegou à Alemanha e terminou na Itália. Foi acompanhado de filho, esposa, pais e sogros. Uma experiência fantástica! Mas, no final, tudo que o mais se desejava era chegar em casa.
Como é bom estar em casa!!
Obviamente essa não é uma verdade em todos os casos. Ha lares que são verdadeiros infernos. Lócus de violência, opressão, indignidade, tristeza. Felizmente, acho que esses não são a maioria. Geralmente nossa casa é nosso referencial de apoio e segurança, é local de aconchego, de prazer, de encontro com pessoas amadas, onde nos sentimos protegidos, queridos, tranquilos, em paz. Tanto que às vezes usamos o vocábulo 'casa' para nos referir a outros lugares onde podemos experimentar essa mesma sensação - o trabalho para uns, a pista de dança para outros, o estádio de futebol, em alguns casos, o bar por que não dizer, ou o corpo do(a) amado(a)... oh quantas declarações de amor já não foram feitas assim... em teu corpo me sinto em casa...
Casa para ser boa tem que ser ninho. E ninho é calor, é proteção, é prazer, é amor... Por isso é tão bom voltar prá casa.
Hoje estou fora, mas amanhã quero sentir o delicioso gosto do retorno... Do beijo de saudade, do abraço apertado, das declarações de amor, do sorriso aberto...
A idéia é refletir, meditar, discutir, desabafar... histórias, sentimentos, experiências, vivências... o cotidiano dessa vida urbana louca de uma mulher - mãe, profissional, esposa, dona-de-casa - em busca de viver e de ser feliz.
terça-feira, setembro 29, 2009
sábado, setembro 19, 2009
O que realmente importa
Dia desses estávamos no trabalho elaborando o conteúdo programático de um curso de gestão de equipes. O conceito em questão era 'valores'. Trabalharíamos os valores organizacionais, de equipe e individuais. A idéia era identificá-los e verificar até que ponto eram consonantes e as consequências para o indivíduo, para as equipes e para a organização caso houvesse grande divergência entre eles. Provavelmente infelicidade, adoecimento e baixa produtivade.
O assunto rendeu e logo estávamos filosofando sobre que valores guiavam nossas vidas e escolhas, que valores aprendemos em família ou ao longo da vida, e até que ponto nosso discurso sobre valores era coerente com a nossa prática. Realmente os valores que professamos ter são os que guiam nossas atitudes ao longo da vida ou na rotina do dia-a-dia?
No post anterior eu falava sobre as pequenas coisas do cotidiano. Agora falo sobre coisas grandes da vida. Valores estão dentre aquelas coisas essenciais. Muito nos dizem do que somos, do que acreditamos, de onde viemos. Traduzem nossa identidade social, cultural, histórica, geográfica. Sobretudo representam nossa humanidade. Animais se guiam por instintos, não por valores. Podemos nos dizer humanos porque além de pensarmos abstratamente, projetarmos o futuro, elaborarmos pensamentos e modos de comunicação complexos, apresentarmos consciência e subjetividade, nos comportamos segundo valores.
E é aí onde quero chegar. Essa coisa grande, fundamental está estritamente relacionada com aquelas pequenas coisas. Se não estiver, algo está muito errado. Pois para sermos coerentes e felizes é imprescindível que essas pequenas coisas com que gastamos nosso tempo e onde investimos nosso dinheiro e energia estejam de acordo com os nossos princípios.
Se digo que valorizo a minha saúde, preciso arranjar tempo na minha agenda para cuidar dela. Se acho que minha família é prioridade na minha vida, preciso organizar minha agenda para poder me dedicar a ela. Se acredito que estudo e trabalho são importantes, preciso encaixá-los também no meu dia. Se considero a temperança essencial é assim que preciso pensar agir. E assim sucessivamente...
E então? O que realmente importa? Que valores realmente praticamos?
O assunto rendeu e logo estávamos filosofando sobre que valores guiavam nossas vidas e escolhas, que valores aprendemos em família ou ao longo da vida, e até que ponto nosso discurso sobre valores era coerente com a nossa prática. Realmente os valores que professamos ter são os que guiam nossas atitudes ao longo da vida ou na rotina do dia-a-dia?
No post anterior eu falava sobre as pequenas coisas do cotidiano. Agora falo sobre coisas grandes da vida. Valores estão dentre aquelas coisas essenciais. Muito nos dizem do que somos, do que acreditamos, de onde viemos. Traduzem nossa identidade social, cultural, histórica, geográfica. Sobretudo representam nossa humanidade. Animais se guiam por instintos, não por valores. Podemos nos dizer humanos porque além de pensarmos abstratamente, projetarmos o futuro, elaborarmos pensamentos e modos de comunicação complexos, apresentarmos consciência e subjetividade, nos comportamos segundo valores.
E é aí onde quero chegar. Essa coisa grande, fundamental está estritamente relacionada com aquelas pequenas coisas. Se não estiver, algo está muito errado. Pois para sermos coerentes e felizes é imprescindível que essas pequenas coisas com que gastamos nosso tempo e onde investimos nosso dinheiro e energia estejam de acordo com os nossos princípios.
Se digo que valorizo a minha saúde, preciso arranjar tempo na minha agenda para cuidar dela. Se acho que minha família é prioridade na minha vida, preciso organizar minha agenda para poder me dedicar a ela. Se acredito que estudo e trabalho são importantes, preciso encaixá-los também no meu dia. Se considero a temperança essencial é assim que preciso pensar agir. E assim sucessivamente...
E então? O que realmente importa? Que valores realmente praticamos?
quarta-feira, setembro 16, 2009
Por onde começar?
Nosso cotidiano é cheio de pequenas coisinhas que temos que administrar. Às vezes, se não cuidamos essas coisinhas dominam nossos dias, nosso tempo, nossa atenção e se transformam em nossa razão de viver.
Esse é um dos grandes perigos da vida. Nos perdermos em minúcias e deixarmos de lado o que realmente importa...
Parei para fazer uma lista de pequenas coisinhas com que eu e minha família estamos tendo que lidar esses dias....
- O papel higiênico e o condicionador estão perto do fim. Tenho que ir ao mercado
- Esqueci de pagar a frutaria. Deixar o cheque e pedir para que busquem.
- O edredom está esperando para ser levado à lavanderia. Não posso esquecer!
- Caiu o botão da minha blusa preta de cetim. Costurar ou levar à costureira?
- Minha filha está tendo dificuldades com as contas de dividir. Exercícios extras à noite.
- Arranharam meu carro. Problema sem solução. Deixar para lá.
- Debitaram um valor equivocado em meu cartão de crédito. Passar no banco.
- Trocaram o número do meu cartão e não avisei ao jornal que assino. Ligar para a Central de Assinaturas.
- Não consigo baixar meus e-mails, pois deu pau no outlook. Conseguir lugar na agenda do marido informático.
- Perdi meu celular. Passar na operadora.
- Completei duas semanas sem fazer as unhas. Abstrair e esperar até sábado.
- Meu trabalho está atrasado. Rever planejamento.
- Tenho que terminar o dever de casa do curso de espanhol. Conseguir ficar acordada à noite.
Será que é só isso? Acho que sim. Certamente não sou a única envolta em chatices do cotidiano. Meus pais tem estado enlouquecidos pois há duas semanas são acordados antes das 7 da matina por um casal de pica-paus que se diverte bicando insistentemente os espelhos retrovisores e os vidros do carro estacionado à porta de casa.
Por um lado, isso não é de todo mal. Quando nosso maior problema é um casal de pica-paus é porque nossa vida está muito boa! Ou será que o grande problema é que o único problema que conseguimos enxergar é o pica-pau barulhento do lado de fora da casa??
Quem sabe?
E como saber senão parando de olhar para os detalhes e pensando profundamente no que realmente importa...
Mas como? Por onde começar?
sexta-feira, setembro 11, 2009
Viúvas na Índia
A situação da mulher é sempre um assunto que me ocupa o pensamento. Hoje li uma postagem sobre a situação das viúvas na Índia, no Síndrome de Estocolmo, que me deixou arrepiada.
Quantos dias internacionais da mulher precisará haver para que, definitivamente, possamos festejar uma vida digna para todas?
Fonte da imagem
Quantos dias internacionais da mulher precisará haver para que, definitivamente, possamos festejar uma vida digna para todas?
Fonte da imagem
quinta-feira, setembro 10, 2009
Pontos de vista
Uma das coisas maravilhosas de se ter filhos ou simplesmente de se conviver com crianças é ter a oportunidade de enxergar o mundo sob sua perspectiva. E, assim, aprender muito. Gente, é impressionante como a gente vai ficando menos sábio à medida que cresce!!
Lembro quando minha filha tinha exatos dois anos e caiu de nossa cama numa noite. A bichinha chorava, chorava, então resolvemos levar para o hospital para ver se tinha alguma coisa que não enxergávamos. Não deu outra, havia fraturado a clavícula. O urgentista achou que deveríamos engessar e lá volta ela do hospital com aquela camisa de força ortopédica. Apenas um bracinho livre! Quase morri de dó!! Na manhã seguinte, lá estava eu imersa em piedade por aquele pedacinho de gente semi-imobilizado. Quando olho para ela, lá está fazendo todas as suas coisas com a maior naturalidade. O mesmo sorriso no rosto, o bracinho preso, correndo de um lado para o outro, brincando totalmente adaptada à nova realidade. Percebi que, até então, ela não tinha aprendido a se lamentar. Que podia, simplesmente, adaptar-se, adequar-se e ser feliz, sem se martirizar com as possíveis perdas ou pequenas misérias de sua vida. Como ela me ensinou!
Na última mensagem contei do falecimento da filha de meu amigo. No dia em que recebi a notícia e que todos fomos tomados por um imenso espanto, cheguei em casa e fui lhe dar a notícia. Disse a ela que eu estava muito triste porque algo muito sério havia acontecido. Ela mudou sua expressão e, com um tom de voz sóbrio e concentrado, perguntou o que tinha acontecido. Contei-lhe. Ela perguntou qual era a idade da menina. Falei que não sabia ao certo, que era algo em torno de 12 ou 13 anos. E ela serenamente me disse: que bom que ela aproveitou toda a infância, né, mamãe?
Fiquei muda, dei-lhe um sorriso de concordância e um abraço. E percebi como ainda me faltava tanto a aprender...
Fonte: yonelins.tripod.com/galeria/
Lembro quando minha filha tinha exatos dois anos e caiu de nossa cama numa noite. A bichinha chorava, chorava, então resolvemos levar para o hospital para ver se tinha alguma coisa que não enxergávamos. Não deu outra, havia fraturado a clavícula. O urgentista achou que deveríamos engessar e lá volta ela do hospital com aquela camisa de força ortopédica. Apenas um bracinho livre! Quase morri de dó!! Na manhã seguinte, lá estava eu imersa em piedade por aquele pedacinho de gente semi-imobilizado. Quando olho para ela, lá está fazendo todas as suas coisas com a maior naturalidade. O mesmo sorriso no rosto, o bracinho preso, correndo de um lado para o outro, brincando totalmente adaptada à nova realidade. Percebi que, até então, ela não tinha aprendido a se lamentar. Que podia, simplesmente, adaptar-se, adequar-se e ser feliz, sem se martirizar com as possíveis perdas ou pequenas misérias de sua vida. Como ela me ensinou!
Na última mensagem contei do falecimento da filha de meu amigo. No dia em que recebi a notícia e que todos fomos tomados por um imenso espanto, cheguei em casa e fui lhe dar a notícia. Disse a ela que eu estava muito triste porque algo muito sério havia acontecido. Ela mudou sua expressão e, com um tom de voz sóbrio e concentrado, perguntou o que tinha acontecido. Contei-lhe. Ela perguntou qual era a idade da menina. Falei que não sabia ao certo, que era algo em torno de 12 ou 13 anos. E ela serenamente me disse: que bom que ela aproveitou toda a infância, né, mamãe?
Fiquei muda, dei-lhe um sorriso de concordância e um abraço. E percebi como ainda me faltava tanto a aprender...
Fonte: yonelins.tripod.com/galeria/
quarta-feira, setembro 09, 2009
Uma pausa na vida
Dias atrás um amigo muito querido perdeu sua filha caçula de 13 anos. Era uma filha especial, em todos os sentidos. Sabíamos que era anjo e que seu tempo por essas bandas provavelmente seria breve. Embora não imaginássemos que seus dias estavam no fim 5 dias antes, quando voltava de uma consulta de rotina e sua saúde estava em ótimas condições. Quem disse que a morte necessita mandar recados?
Queria abraçar o meu amigo e dizer alguma coisa para ele. Mas dizer o quê? E para quê? Nessa hora, de repente, todas as palavras tornam-se supérfluas, quase obscenas. Não há o que dizer. Só há o que abraçar, o que sentir, o que chorar.
Houve o velório e o culto. Sua família é extremamente religiosa e espiritualizada. Não aquele tipo de religioso que participa de todas as atividades da Igreja e que passa as horas falando mal do vizinho, mas aquele tipo de religioso que verdadeiramente vivencia e pratica uma religião. Que age, pensa, sente e se relaciona com o mundo e com os outros segundo a fé, os princípios e valores que possui e que profere. Aquele tipo de gente que respeitamos, admiramos e amamos incondicionalmente do fundo do coração.
Na igreja, respirávamos emoção e transcendência. Fechava os olhos, abria os olhos, olhava para os lados e parecia que tinha sido transportada para uma outra dimensão. Onde não havia nem tempo, nem espaço. Onde ‘coisas’ não tinham nenhum valor ou significado. Onde apenas o sentimento, o mistério, a emoção, a energia, o amor, o divino, o eterno importavam. Todo o resto era tão supérfluo como todas as palavras.
Minha amiga, que no mês anterior tinha perdido duas irmãs em um acidente de carro, sentada bem ao meu lado, me dava suas mãos enquanto eu recostava minha cabeça em seu ombro. Juntas, sentíamos. Juntas, respirávamos. Juntas, chorávamos. Chorávamos, invadidas por toda a tristeza plena, bela e profunda que há na vida e na morte de uma criança pura, linda, amada, cuidada, querida e inocente. Mas acho que chorávamos também por todas as dores da vida, por todas as perdas que tivemos e pelas que ainda viremos a ter.
Saí de lá torporizada. Não consegui ir ao enterro. Queria abraçar minha filha antes que ela fosse à escola. Queria senti-la perto de mim, dizer o tanto que a amava. Queria fazer isso consciente de que cada momento deve ser vivido intensamente, que não podemos procrastinar como se tivéssemos convicção de que o segundo seguinte nos pertencesse. O futuro é simplesmente uma hipótese, como disse Lobato. Nosso planejamento de vida, nossas escolhas devem sempre levar isso em conta. Não podemos nos esquecer que a vida é agora.
Fonte: http://www.biologo.com.br/macrofotografia/fotos/images/abelha_jpg.jpg
Queria abraçar o meu amigo e dizer alguma coisa para ele. Mas dizer o quê? E para quê? Nessa hora, de repente, todas as palavras tornam-se supérfluas, quase obscenas. Não há o que dizer. Só há o que abraçar, o que sentir, o que chorar.
Houve o velório e o culto. Sua família é extremamente religiosa e espiritualizada. Não aquele tipo de religioso que participa de todas as atividades da Igreja e que passa as horas falando mal do vizinho, mas aquele tipo de religioso que verdadeiramente vivencia e pratica uma religião. Que age, pensa, sente e se relaciona com o mundo e com os outros segundo a fé, os princípios e valores que possui e que profere. Aquele tipo de gente que respeitamos, admiramos e amamos incondicionalmente do fundo do coração.
Na igreja, respirávamos emoção e transcendência. Fechava os olhos, abria os olhos, olhava para os lados e parecia que tinha sido transportada para uma outra dimensão. Onde não havia nem tempo, nem espaço. Onde ‘coisas’ não tinham nenhum valor ou significado. Onde apenas o sentimento, o mistério, a emoção, a energia, o amor, o divino, o eterno importavam. Todo o resto era tão supérfluo como todas as palavras.
Minha amiga, que no mês anterior tinha perdido duas irmãs em um acidente de carro, sentada bem ao meu lado, me dava suas mãos enquanto eu recostava minha cabeça em seu ombro. Juntas, sentíamos. Juntas, respirávamos. Juntas, chorávamos. Chorávamos, invadidas por toda a tristeza plena, bela e profunda que há na vida e na morte de uma criança pura, linda, amada, cuidada, querida e inocente. Mas acho que chorávamos também por todas as dores da vida, por todas as perdas que tivemos e pelas que ainda viremos a ter.
Saí de lá torporizada. Não consegui ir ao enterro. Queria abraçar minha filha antes que ela fosse à escola. Queria senti-la perto de mim, dizer o tanto que a amava. Queria fazer isso consciente de que cada momento deve ser vivido intensamente, que não podemos procrastinar como se tivéssemos convicção de que o segundo seguinte nos pertencesse. O futuro é simplesmente uma hipótese, como disse Lobato. Nosso planejamento de vida, nossas escolhas devem sempre levar isso em conta. Não podemos nos esquecer que a vida é agora.
Fonte: http://www.biologo.com.br/macrofotografia/fotos/images/abelha_jpg.jpg
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segunda-feira, setembro 07, 2009
Divagações da Mulher Selvagem
Uma amiga me disse que essa pausa para balanço estava muito grande. Concordei com ela. Resolvi fazer um esforço, chacoalhar uma cabeça ainda meio tonta para ver se, espremendo, algo interessante saía dali. Não consegui. Então vou falando do que vier na telha mesmo.
Parte I
Estou num hotel aqui em Brasília, de frente para o lago e pro céu equivocadamente nublado nesse 7 de setembro. Ele deveria estar bem azul com um sol insuportavelmente forte. Mas o clima parece estar doido mesmo. No bar próximo à piscina toca uma música boa ao vivo e, para completar escuto som de pássaros e de gente pulando na piscina. Tudo isso dá uma sensação tão grande de bem estar!!
Anteontem estávamos nesse mesmo hotel, à beira da mesma piscina que descrevi e refletíamos sobre como era gostoso juntar um grupo de pessoas que se gostavam, seus filhos e curtir um fim-de-semana diferente, num lugar aprazível para celebrar a vida de alguém querido. Pensamos que muitas vezes não precisa muito para sentirmos alegria e contentamento. Conversávamos sobre uma quantia ideal de dinheiro que uma família deveria possuir para ser feliz. Nossa teoria era que dinheiro demais e dinheiro de menos estragam a vida e atrapalham as pessoas. Que o indicado seria ter dinheiro suficiente para usufruir das coisas boas que a civilização criou – viagens, shows, exposições, vestuário, uma casa própria bem transada, livros, revistas, cursos de idiomas, internet, creme anti-sinais, múltiplos canais de televisão, bons meios de locomoção (a lista é variável conforme o gosto de cada um...) – mas que não deveria ser tanto, a ponto de a pessoa, achando que pode tudo, perdesse seu referencial de humano, mortal, num mundo ainda desigual de gente que esbanja e gente que sofre muito.
Lembramos da Neverland de Michael Jackson. Em vez de eu me afundar num processo lento e doloroso de psicoterapia e superar os traumas de minha infância sofrida e usurpada e reconstruir uma história de vida – plena e feliz, escolho o caminho mais fácil e que minha conta no banco permite: crio um mundo de ilusão e acredito que ali sou feliz porque posso resgatar uma infância que, obviamente, não se permite ser resgatada. Por fim, morro jovem, doente, sozinho e infeliz.
Uma mencionou a Ivete Sangalo que recentemente teria comprado um ecocardiógrafo para ter em casa e diariamente, sei lá, poder acompanhar o andamento da gravidez e ‘ver’ seu filho. Pensamos até que ponto isso era saudável ou neurótico. O quanto seria uma nova possibilidade trazida pela tecnologia e que aumentaria a segurança da mãe e do bebê, ou um exagero medonho que nos afastaria ainda mais da natureza, do contato íntimo entre mãe e filho, em que os instrumentos são puramente os sentidos, a intuição e o afeto.
Parte II
É noite e estamos de volta à nossa casa. Maridão comenta que, no final das contas, não há lugar melhor. Pondero que isso depende muito da casa. Algumas são uma versão do inferno.
Continuando a conversa anterior e falando de intuição, me lembro do livro que me foi recomendado há tempos, cuja primeira leitura tentei fazer em 2006, mas não avançou e que, este ano, em meu processo intensivo de autoconhecimento, decidi resgatar: ‘Mulheres que correm com lobos – mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem’, da psicóloga junguiana Clarissa Pinkola Estes.
Ao estudar os lobos, ela percebeu diversas semelhanças entre a loba e a mulher, especialmente no que se refere à dedicação aos filhos, ao companheiro e ao grupo. Observou também que, ao longo do desenvolvimento da civilização esses instintos mas naturais – a que ela denomina de Mulher Selvagem – foram sendo domesticados, sufocando o potencial criativo da mente feminina.
Segundo Clarissa, sem a compreensão dessa natureza da Mulher Selvagem, as mulheres perdem a segurança do apoio de sua alma. Esquecem-se do motivo pelo qual estão aqui; agarram-se às coisas quando seria melhor afastarem-se dela. Alguns sintomas desse distanciamento da Mulher Selvagem seriam ‘sensações de extraordinária aridez, fadiga, fragilidade, depressão, confusão, de estar amordaçada, calada à força, desestimulada. Sentir-se assustada, deficiente ou fraca, sem inspiração, sem ânimo, sem expressão, sem significado, envergonhada, com uma fúria crônica, instável, amarrada, sem criatividade, reprimida, transtornada.
Sentir-se impotente, insegura, hesitante, bloqueada, incapaz de realizações, entregando a própria criatividade para os outros, escolhendo parceiros, empregos ou amizades que lhe esgotam a energia, sofrendo por viver em desacordo com os próprios ciclos, superprotetora de si mesma, inerte, inconstante, vacilante, incapaz de regular a própria marcha ou de fixar limites. Não conseguir insistir no seu próprio andamento, preocupar-se em demasia com a opinião alheia, afastar-se do seu Deus ou dos seus deuses, isolar-se da sua própria revitalização, deixar-se envolver exageradamente na domesticidade, no intelectualismo, no trabalho ou na inércia, porque é esse o lugar mais seguro para quem perdeu os próprios instintos.
Recear aventurar-se ou revelar-se, temer procurar um mentor, mãe, pai, temer exibir a própria obra antes que esteja perfeita, temer iniciar uma viagem, recear gostar de alguém ou dos outros, ter medo de não conseguir parar, de se esgotar, de se exaurir, curvar-se diante da autoridade, perder a energia diante de projetos criativos, encolher-se, humilhar-se, ter angústia, entorpecimento, ansiedade.
Ter medo de revidar quando não resta outra coisa a fazer, medo de experimentar o novo, medo de enfrentar, de exprimir sua opinião, de criticar qualquer coisa, de sentir náuseas, aflição, acidez, de sentir-se partida ao meio, estrangulada, conciliadora e gentil com extrema facilidade, de ter sentimentos de vingança.
(...) Tendo a Mulher Selvagem como aliada, como líder, modelos, maestra, passamos a ver, não com dois olhos, mas com a intuição, que dispõe de muitos olhos. Quando afirmamos a intuição, somos, portanto, como a noite estrelada: fitamos o mundo com milhares de olhos.
(...) Aproximar-se da natureza instintiva não significa desestruturar-se, mudar tudo da esquerda para a direita, do preto para o branco, passar o oeste para o leste, agir como louca ou descontrolada. Não significa perder as socializações básicas ou tornar-se menos humana. Significa exatamente o oposto. A natureza selvagem possui uma vasta integridade.
(...) A mulher selvagem é a origem do feminino. (...) É o momento imediatamente anterior àquele em que somos tomadas pela inspiração. (...) É ela quem se enfurece diante da injustiça. É a criadora dos ciclos. É à procura dela que saímos de casa. É à procura dela que voltamos para casa. Ela é a raiz estrumada de tods as mulheres. Ela é tudo que nos mantém vivas quando achamos que chegamos ao fim. Ela é a geradora de acordos e idéias pequenas e incipientes. Ela é a mente que nos concebe; nós somos os seus pensamentos.
(...) Para encontrar a Mulher Selvagem, é necessário que as mulheres se voltem para suas vidas instintivas, sua sabedoria mais profunda’.
Como Clarrisa é uma contadora e estudiosa de histórias, no livro ela apresenta uma série de mitos, contos de fadas, lendas do folclores e outras histórias, por meio das quais, a mulher pode se ligar novamente aos atributos saudáveis e instintivos do arquétipo da mulher selvagem. Segundo ela, ‘as histórias são bálsamos medicinais. (...) A cura para qualquer dano ou para resgatar algum impulso psíquico perdido está nas histórias. (...) Nas histórias estão incrustadas instruções que nos orientam a respeito das complexidades da vida. As histórias nos permitem entender a necessidade de reerguer um arquétipo submerso e os meios para realizar essa tarefa.’
Ressalta que muitas vezes as histórias são ‘purificadas’. Há suspeitas de que os famosos irmãos Grimm, por exemplo, tenham coberto antigos símbolos pagãos com outros cristãos, de tal modo que uma velha curandeira num conto passava a ser uma bruxa perversa; um espírito transformava-se num anjo; um véu ou coifa iniciática tornava-se um lenço; ou uma criança chamada Bela (nome costumeiro para a criança nascida durante os festejos de solstícios) era rebatizada de Schmerzenreich, Dolorosa. Os elementos sexuais eram omitidos. Animais e criaturas prestimosas eram transformados em demônios e espíritos do mal. E assim, perderam-se muitos dos contos femininos que continham instruções sobre sexo, amor, dinheiro, casamento, parto, morte e transformação. ‘Da maioria das coletâneas de contos de fadas e mitos hoje existentes foi expurgado tudo o que fosse escatológico, sexual, perverso, pré-cristão, feminino, iniciático, ou que se relacionasse às deusas; que representasse a cura para vários males psicológicos e que desse orientação para alcançar êxtases espirituais’.
Seu trabalho ao longo de anos tem sido reconstruir histórias. Busca seus esqueletos ou partes dele, como uma intensa escavação paleontológica, compara versões e utiliza elementos arqueológicos das próprias culturas ancestrais, como imagens, máscaras, cerâmicas, para tentar recriar o original. A cada capítulo traz uma história e uma interpretação dela, fazendo o vínculo com a Mulher Selvagem.
É uma leitura muito interessante para mulheres que desejam encontrar-se por inteiro, buscar suas origens, compreende o poder e a utilidade da intuição e dos instintos e que, claro, estejam no momento para isso, pois definitivamente não é uma atividade de puro entretenimento e lazer.
Parte I
Estou num hotel aqui em Brasília, de frente para o lago e pro céu equivocadamente nublado nesse 7 de setembro. Ele deveria estar bem azul com um sol insuportavelmente forte. Mas o clima parece estar doido mesmo. No bar próximo à piscina toca uma música boa ao vivo e, para completar escuto som de pássaros e de gente pulando na piscina. Tudo isso dá uma sensação tão grande de bem estar!!
Anteontem estávamos nesse mesmo hotel, à beira da mesma piscina que descrevi e refletíamos sobre como era gostoso juntar um grupo de pessoas que se gostavam, seus filhos e curtir um fim-de-semana diferente, num lugar aprazível para celebrar a vida de alguém querido. Pensamos que muitas vezes não precisa muito para sentirmos alegria e contentamento. Conversávamos sobre uma quantia ideal de dinheiro que uma família deveria possuir para ser feliz. Nossa teoria era que dinheiro demais e dinheiro de menos estragam a vida e atrapalham as pessoas. Que o indicado seria ter dinheiro suficiente para usufruir das coisas boas que a civilização criou – viagens, shows, exposições, vestuário, uma casa própria bem transada, livros, revistas, cursos de idiomas, internet, creme anti-sinais, múltiplos canais de televisão, bons meios de locomoção (a lista é variável conforme o gosto de cada um...) – mas que não deveria ser tanto, a ponto de a pessoa, achando que pode tudo, perdesse seu referencial de humano, mortal, num mundo ainda desigual de gente que esbanja e gente que sofre muito.
Lembramos da Neverland de Michael Jackson. Em vez de eu me afundar num processo lento e doloroso de psicoterapia e superar os traumas de minha infância sofrida e usurpada e reconstruir uma história de vida – plena e feliz, escolho o caminho mais fácil e que minha conta no banco permite: crio um mundo de ilusão e acredito que ali sou feliz porque posso resgatar uma infância que, obviamente, não se permite ser resgatada. Por fim, morro jovem, doente, sozinho e infeliz.
Uma mencionou a Ivete Sangalo que recentemente teria comprado um ecocardiógrafo para ter em casa e diariamente, sei lá, poder acompanhar o andamento da gravidez e ‘ver’ seu filho. Pensamos até que ponto isso era saudável ou neurótico. O quanto seria uma nova possibilidade trazida pela tecnologia e que aumentaria a segurança da mãe e do bebê, ou um exagero medonho que nos afastaria ainda mais da natureza, do contato íntimo entre mãe e filho, em que os instrumentos são puramente os sentidos, a intuição e o afeto.
Parte II
É noite e estamos de volta à nossa casa. Maridão comenta que, no final das contas, não há lugar melhor. Pondero que isso depende muito da casa. Algumas são uma versão do inferno.
Continuando a conversa anterior e falando de intuição, me lembro do livro que me foi recomendado há tempos, cuja primeira leitura tentei fazer em 2006, mas não avançou e que, este ano, em meu processo intensivo de autoconhecimento, decidi resgatar: ‘Mulheres que correm com lobos – mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem’, da psicóloga junguiana Clarissa Pinkola Estes.
Ao estudar os lobos, ela percebeu diversas semelhanças entre a loba e a mulher, especialmente no que se refere à dedicação aos filhos, ao companheiro e ao grupo. Observou também que, ao longo do desenvolvimento da civilização esses instintos mas naturais – a que ela denomina de Mulher Selvagem – foram sendo domesticados, sufocando o potencial criativo da mente feminina.
Segundo Clarissa, sem a compreensão dessa natureza da Mulher Selvagem, as mulheres perdem a segurança do apoio de sua alma. Esquecem-se do motivo pelo qual estão aqui; agarram-se às coisas quando seria melhor afastarem-se dela. Alguns sintomas desse distanciamento da Mulher Selvagem seriam ‘sensações de extraordinária aridez, fadiga, fragilidade, depressão, confusão, de estar amordaçada, calada à força, desestimulada. Sentir-se assustada, deficiente ou fraca, sem inspiração, sem ânimo, sem expressão, sem significado, envergonhada, com uma fúria crônica, instável, amarrada, sem criatividade, reprimida, transtornada.
Sentir-se impotente, insegura, hesitante, bloqueada, incapaz de realizações, entregando a própria criatividade para os outros, escolhendo parceiros, empregos ou amizades que lhe esgotam a energia, sofrendo por viver em desacordo com os próprios ciclos, superprotetora de si mesma, inerte, inconstante, vacilante, incapaz de regular a própria marcha ou de fixar limites. Não conseguir insistir no seu próprio andamento, preocupar-se em demasia com a opinião alheia, afastar-se do seu Deus ou dos seus deuses, isolar-se da sua própria revitalização, deixar-se envolver exageradamente na domesticidade, no intelectualismo, no trabalho ou na inércia, porque é esse o lugar mais seguro para quem perdeu os próprios instintos.
Recear aventurar-se ou revelar-se, temer procurar um mentor, mãe, pai, temer exibir a própria obra antes que esteja perfeita, temer iniciar uma viagem, recear gostar de alguém ou dos outros, ter medo de não conseguir parar, de se esgotar, de se exaurir, curvar-se diante da autoridade, perder a energia diante de projetos criativos, encolher-se, humilhar-se, ter angústia, entorpecimento, ansiedade.
Ter medo de revidar quando não resta outra coisa a fazer, medo de experimentar o novo, medo de enfrentar, de exprimir sua opinião, de criticar qualquer coisa, de sentir náuseas, aflição, acidez, de sentir-se partida ao meio, estrangulada, conciliadora e gentil com extrema facilidade, de ter sentimentos de vingança.
(...) Tendo a Mulher Selvagem como aliada, como líder, modelos, maestra, passamos a ver, não com dois olhos, mas com a intuição, que dispõe de muitos olhos. Quando afirmamos a intuição, somos, portanto, como a noite estrelada: fitamos o mundo com milhares de olhos.
(...) Aproximar-se da natureza instintiva não significa desestruturar-se, mudar tudo da esquerda para a direita, do preto para o branco, passar o oeste para o leste, agir como louca ou descontrolada. Não significa perder as socializações básicas ou tornar-se menos humana. Significa exatamente o oposto. A natureza selvagem possui uma vasta integridade.
(...) A mulher selvagem é a origem do feminino. (...) É o momento imediatamente anterior àquele em que somos tomadas pela inspiração. (...) É ela quem se enfurece diante da injustiça. É a criadora dos ciclos. É à procura dela que saímos de casa. É à procura dela que voltamos para casa. Ela é a raiz estrumada de tods as mulheres. Ela é tudo que nos mantém vivas quando achamos que chegamos ao fim. Ela é a geradora de acordos e idéias pequenas e incipientes. Ela é a mente que nos concebe; nós somos os seus pensamentos.
(...) Para encontrar a Mulher Selvagem, é necessário que as mulheres se voltem para suas vidas instintivas, sua sabedoria mais profunda’.
Como Clarrisa é uma contadora e estudiosa de histórias, no livro ela apresenta uma série de mitos, contos de fadas, lendas do folclores e outras histórias, por meio das quais, a mulher pode se ligar novamente aos atributos saudáveis e instintivos do arquétipo da mulher selvagem. Segundo ela, ‘as histórias são bálsamos medicinais. (...) A cura para qualquer dano ou para resgatar algum impulso psíquico perdido está nas histórias. (...) Nas histórias estão incrustadas instruções que nos orientam a respeito das complexidades da vida. As histórias nos permitem entender a necessidade de reerguer um arquétipo submerso e os meios para realizar essa tarefa.’
Ressalta que muitas vezes as histórias são ‘purificadas’. Há suspeitas de que os famosos irmãos Grimm, por exemplo, tenham coberto antigos símbolos pagãos com outros cristãos, de tal modo que uma velha curandeira num conto passava a ser uma bruxa perversa; um espírito transformava-se num anjo; um véu ou coifa iniciática tornava-se um lenço; ou uma criança chamada Bela (nome costumeiro para a criança nascida durante os festejos de solstícios) era rebatizada de Schmerzenreich, Dolorosa. Os elementos sexuais eram omitidos. Animais e criaturas prestimosas eram transformados em demônios e espíritos do mal. E assim, perderam-se muitos dos contos femininos que continham instruções sobre sexo, amor, dinheiro, casamento, parto, morte e transformação. ‘Da maioria das coletâneas de contos de fadas e mitos hoje existentes foi expurgado tudo o que fosse escatológico, sexual, perverso, pré-cristão, feminino, iniciático, ou que se relacionasse às deusas; que representasse a cura para vários males psicológicos e que desse orientação para alcançar êxtases espirituais’.
Seu trabalho ao longo de anos tem sido reconstruir histórias. Busca seus esqueletos ou partes dele, como uma intensa escavação paleontológica, compara versões e utiliza elementos arqueológicos das próprias culturas ancestrais, como imagens, máscaras, cerâmicas, para tentar recriar o original. A cada capítulo traz uma história e uma interpretação dela, fazendo o vínculo com a Mulher Selvagem.
É uma leitura muito interessante para mulheres que desejam encontrar-se por inteiro, buscar suas origens, compreende o poder e a utilidade da intuição e dos instintos e que, claro, estejam no momento para isso, pois definitivamente não é uma atividade de puro entretenimento e lazer.
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