Minha amiga do
Iglu, habitante de terras vancouverinas há alguns anos, ressente-se com freqüência da vida sem empregada doméstica a que são submetidas as mulheres de classe média dos países desenvolvidos, em contraste com o cômodo conforto que desfrutam as afortunadas dos países tropicais.
Não posso deixar de concordar. Serviço de casa é tão chato que ninguém deveria ter que fazê-lo. Ou pelo menos não ganhando tão pouco. Bem, o fato é que, enquanto vivemos essa realidade de disparidade social, podemos nos dar o luxo de ter alguém fazendo o que não gostamos de fazer pagando a metade (ou muito menos) do que cobraríamos se estivéssemos em outra condição.
Anteontem estava no saguão do aeroporto, aguardando para embarcar. À minha frente uma moça jovem, bonita, pele negra marrom-bom-bom, cabelos bem trançados, uniforme branco de babá brincava com uma bebezinha de uns 4/5 meses, impecavelmente arrumada num macacãozinho rosa e faixa da Lilica Ripilica na cabecinha careca.
Duas cadeiras ao meu lado, o pai dava algumas instruções sobre como a moça deveria brincar. Logo após chegou a mãe e sentou-se entre nós. Muito bem arrumada, calça jeans colada, salto 10cm, unhas feitas, blusa justa ao corpo, cabelos lisos até a cintura, artificialmente aloirados. Um visual, aliás, pouco compatível com a exigência da prática da maternidade de um bebê daquela idade.
A mãe falava ao telefone celular. Ao ouvir sua voz, a filhotinha se virou, arregalou os olhos brilhantes e começou a balançar os bracinhos em um gesto que claramente indicava o desejo de colo. A mãe pareceu ignorar. Apenas pediu para que a babá arrumasse a faixa sobre a orelhinha da criança. O pedido de colo ficou no ar, assim como o olhar que buscava eco e apoio no outro lado.
Como se me conectasse àquela freqüência, senti com ela a angústia daquele instante. Por mais que estivesse confortável e aparentemente bem cuidada, buscava o conforto dos pais, o olhar, o carinho e o colo da mãe, que parecia distante e alheia àquela fanfarrice infantil. Depois de um tempinho, o pai acabou cedendo, levantando da cadeira e pegando a bichinha no colo, que se abriu em sorrisos e gritinhos de alegria. Para meu alívio!
Fiquei pensando nesse distanciamento que o "conforto" de se ter uma babá a tiracolo pode gerar entre pais e bebês e o quanto isso pode não ser saudável. A cena me rememorou àquelas ilustrações antigas de amas de leite alimentando os filhos das patroas nas senzalas ou quartos de fundos, enquanto as madames participavam de festas e esforçavam-se para entrar na forma de um espartilho sufocante.
Em Brasília é cada vez mais comum, nos finais de semana, dias em que teoricamente as famílias dispõem para conviver, vermos nos clubes e restaurantes crianças sendo administradas por babás, enquanto os pais desfrutam um pouco de sossego.
Acredito que o casal tenha mesmo que, no meio da rotina intensa e exaustiva dos cuidados com as crianças, encontrar momentos e maneiras para descanso, reposição de energias, para estarem juntos ou compartilharem a companhia de amigos. Creio que isso é salutar e importante. Mas o que vejo e me causa estranhamento e preocupação é o excesso, a banalização. É o processo de terceirização constante de cuidados. Pais que não brincam, que não acompanham, que não acordam de noite para acalmar um choro ou demover de um pranto.
E aí me pergunto se as pessoas não devem pensar realmente quarenta vezes antes de decidir ter um filho. E se se perceberem pouco a fim de dedicar seu tempo livre e energia para a tarefa da maternidade e paternidade não devem objetiva e sensatamente escolher abdicar dessa possibilidade e seguir o curso solo de suas existências.
O problema é que "ter" um filho é a parte mais fácil. O complicado, o desafio é cuidar e educar diariamente, por anos a fio, até que esses pequenos se tornem seres fortes e capazes de guiar suas vidas, defenderem-se de si e dos outros e serem inteiros e felizes.