quarta-feira, outubro 15, 2008

Sobre pais, bebês e babás

Minha amiga do Iglu, habitante de terras vancouverinas há alguns anos, ressente-se com freqüência da vida sem empregada doméstica a que são submetidas as mulheres de classe média dos países desenvolvidos, em contraste com o cômodo conforto que desfrutam as afortunadas dos países tropicais.

Não posso deixar de concordar. Serviço de casa é tão chato que ninguém deveria ter que fazê-lo. Ou pelo menos não ganhando tão pouco. Bem, o fato é que, enquanto vivemos essa realidade de disparidade social, podemos nos dar o luxo de ter alguém fazendo o que não gostamos de fazer pagando a metade (ou muito menos) do que cobraríamos se estivéssemos em outra condição.

Anteontem estava no saguão do aeroporto, aguardando para embarcar. À minha frente uma moça jovem, bonita, pele negra marrom-bom-bom, cabelos bem trançados, uniforme branco de babá brincava com uma bebezinha de uns 4/5 meses, impecavelmente arrumada num macacãozinho rosa e faixa da Lilica Ripilica na cabecinha careca.

Duas cadeiras ao meu lado, o pai dava algumas instruções sobre como a moça deveria brincar. Logo após chegou a mãe e sentou-se entre nós. Muito bem arrumada, calça jeans colada, salto 10cm, unhas feitas, blusa justa ao corpo, cabelos lisos até a cintura, artificialmente aloirados. Um visual, aliás, pouco compatível com a exigência da prática da maternidade de um bebê daquela idade.

A mãe falava ao telefone celular. Ao ouvir sua voz, a filhotinha se virou, arregalou os olhos brilhantes e começou a balançar os bracinhos em um gesto que claramente indicava o desejo de colo. A mãe pareceu ignorar. Apenas pediu para que a babá arrumasse a faixa sobre a orelhinha da criança. O pedido de colo ficou no ar, assim como o olhar que buscava eco e apoio no outro lado.

Como se me conectasse àquela freqüência, senti com ela a angústia daquele instante. Por mais que estivesse confortável e aparentemente bem cuidada, buscava o conforto dos pais, o olhar, o carinho e o colo da mãe, que parecia distante e alheia àquela fanfarrice infantil. Depois de um tempinho, o pai acabou cedendo, levantando da cadeira e pegando a bichinha no colo, que se abriu em sorrisos e gritinhos de alegria. Para meu alívio!

Fiquei pensando nesse distanciamento que o "conforto" de se ter uma babá a tiracolo pode gerar entre pais e bebês e o quanto isso pode não ser saudável. A cena me rememorou àquelas ilustrações antigas de amas de leite alimentando os filhos das patroas nas senzalas ou quartos de fundos, enquanto as madames participavam de festas e esforçavam-se para entrar na forma de um espartilho sufocante.

Em Brasília é cada vez mais comum, nos finais de semana, dias em que teoricamente as famílias dispõem para conviver, vermos nos clubes e restaurantes crianças sendo administradas por babás, enquanto os pais desfrutam um pouco de sossego.

Acredito que o casal tenha mesmo que, no meio da rotina intensa e exaustiva dos cuidados com as crianças, encontrar momentos e maneiras para descanso, reposição de energias, para estarem juntos ou compartilharem a companhia de amigos. Creio que isso é salutar e importante. Mas o que vejo e me causa estranhamento e preocupação é o excesso, a banalização. É o processo de terceirização constante de cuidados. Pais que não brincam, que não acompanham, que não acordam de noite para acalmar um choro ou demover de um pranto.

E aí me pergunto se as pessoas não devem pensar realmente quarenta vezes antes de decidir ter um filho. E se se perceberem pouco a fim de dedicar seu tempo livre e energia para a tarefa da maternidade e paternidade não devem objetiva e sensatamente escolher abdicar dessa possibilidade e seguir o curso solo de suas existências.

O problema é que "ter" um filho é a parte mais fácil. O complicado, o desafio é cuidar e educar diariamente, por anos a fio, até que esses pequenos se tornem seres fortes e capazes de guiar suas vidas, defenderem-se de si e dos outros e serem inteiros e felizes.

Um comentário:

Flavinha disse...

Ju, concordo tanto com você que até me senti escrevendo este post. Mas ainda bem que foi você, pois como ainda não tenho filhos iriam me acusar de pensar assim apenas por não ter conhecimento da causa!

Beijos