segunda-feira, abril 07, 2008

Ainda sobre democracia, política e cidadania



Sou servidora pública federal há mais de quinze anos em uma instituição pública da qual muito me orgulho - a Câmara dos Deputados. Talvez isso possa causar estranheza, pois a imagem que é divulgada na mídia revela apenas escândalos, falcatruas e corrupção. Infelizmente, isso existe também. Felizmente, bem longe de onde trabalho e busco exercer minhas funções com zelo, qualidade e dedicação.

Quero salientar que isso existe porque ainda vivemos em uma sociedade que convive e de certo modo aceita atitudes corruptas, que acredita que o importante é se dar bem e que agir com ética e correção é tolice. O Congresso Nacional é a representação e o reflexo da sociedade que temos, não podemos nos iludir e acharmos que eles são uma coisa e nós somos outra completamente diferente. Nessa linha, também devemos lembrar que temos representante éticos e preocupados em tornar este país um lugar melhor para se viver.

Posso dizer que temos servidores muito engajados com a causa da promoção da democracia, da disseminação dos valores democráticos, preocupados em agir e praticar uma gestão segundo os princípios constitucionais da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), e, ainda, em elaborar e tornar disponíveis produtos e serviços que permitam ao cidadão estar em contato e compreender o funcionamento do legislativo, participar, interferir e, desta forma, além de exercer sua cidadania política, contribuir para a evolução das instituições democráticas e, logo, da própria democracia.

Segue abaixo uma pequena lista com alguns sites que permitem o acesso a informações e, em alguns casos, o contato e o diálogo com órgãos da administração pública direta e com Organismo não-governamental:

Câmara dos Deputados - www.camara.gov.br
Plenarinho - www.plenarinho.gov.br
Senado Federal - www.senado.gov.br
Presidência da República www.presidencia.gov.br
Portal da Transparência - www.portaltransparencia.gov.br
ONG Transparência Brasil - www.transparencia.org.br

Vale a máxima para a formação de uma opinião - primeiramente, é necessário conhecer. Depois, questionar e criticar, inclusive os dados e as informações que estão disponíveis (ou não) para consulta. Às vezes os dados são colocados de forma solta ou enviesada. Por exemplo, no site da Transparência Brasil, há uma reportagem sobre o gasto do Congresso Brasileiro em relação a outros parlamentos. Dentro do relatório, encontra-se um parágrafo que diz: antes do aumento de cerca de 28% que os parlamentares brasileiros recentemente se autoconferiram, cada integrante da Câmara dos Deputados gastava R$ 101 mil por mês, entre salário, auxílios diversos, salários e “assessores de gabinete” (na verdade cabos eleitorais, que podem chegar ao número de 18 por Deputado) e verba indenizatória (um estipêndio fixo que o parlamentar pode usar para pagar gasolina, aluguel de comitê em seu estado e outras despesas).

Algumas coisas devem ser analisadas na afirmação, além do fato de estarem comparando parlamentos de países extremamente diversos - Brasil (de dimensões continentais, 180 milhões de habitantes, federação presidencialista), com Portugal, Espanha, França e outros onze:
- a necessidade de se dar ênfase ao aumento, em vez de aproveitar a oportunidade para informar o novo valor definido;
- o uso do termo "aumento que se autoconferiram", sabendo-se que a forma utilizada foi a estabelecida em lei, conforme a constituição e os Regimentos de cada Casa. Se essa forma atualmente estabelecida não é a melhor, que se pressione para alterá-la. Cadê a Reforma Política????
- a afirmação de que cada "integrante da Câmara gastava" X. Não, cada integrante teria direito de... Não quer dizer que todos gastem esse mesmo valor total.
- a adjetivação a meu ver desmerecedora e equivocada: “assessores de gabinete” (na verdade cabos eleitorais,... É preciso saber que os 513 deputados federais não são iguais, nem agem de maneira igual. Colocar todos num mesmo saco não ajuda a esclarecer e nem nos protege de condutas irregulares. Pode ser que haja assessor de gabinete que atue simplesmente como "cabo eleitoral". Mas é preciso que se compreenda que, para um deputado cumprir o seu mandato e representar a população que o elegeu, é preciso que, além do gabinete em Brasília, ele disponha de um quadro de servidores em suas bases. Esses servidores fazem a intermediação entre a população, as lideranças e os parlamentares. Suas funções são diversas e dependem da atuação parlamentar. Suas formações e perfis profissionais também podem ser variados - um deputado que atue no setor agrícola, provavelmente precisará de um agrônomo como assessor técnico, que lhe ajude na interpretação e na formulação de legislações e políticas públicas. Possivelmente, também necessitará de secretária, motorista, um assessor jurídico, um coordenador político, um chefe de gabinete, etc.... Reduzir, generalizar e estigmatizar uma função de um agente público desta forma é, no mínimo, leviano.
- auxílios diversos. Que auxílios são esses? De quanto? Um deputado do Amazonas recebe o mesmo que um do Distrito Federal, que não precisa viajar para suas bases??
- estipêndio. Por que a escolha dessa palavra esdrúxula para definir a "verba indenizatória"??

Estamos em um período de transição. Saímos da falta de liberdade e da obscuridade para a possibilidade de uma convivência democrática. Precisamos aprender a fazer isso. Precisamos compreender as instituições que existem para nos servir e cobrar de seus integrantes e representantes. Precisamos fazer isso de maneira consciente e não achando que tudo e todos estão querendo usurpar o erário e ir contra a população. Ao generalizarem e não explicitarem suas funções institucionais e o que está efetivamente acontecendo lá, passam a falsa impressão de que o Governo em geral e o Legislativo, em particular, só existe para ser palco de roubalheira e que não serve para nada. Não podemos esquecer que, dentre os tres, este é o poder que legitima a "Democracia", que mais se aproxima do ideal de poder que "emana do povo".

É preciso, claro, que esse poder corresponda aos anseios e demandas sociais. É preciso, pois, que se esclareçam quais são os nossos anseios e demandas. Queremos uma sociedade mais justa, igualitária, sem regalias e diferenças?? Queremos regras claras, que se abomine "o jeitinho" de fazer as coisas para o meu bem pessoal? Queremos a fiel obediência e cumprimento das leis? Queremos punição rígida para quem as descumprem?? Queremos um sistema de educaçao público, gratuito, de qualidade e para todos, em todos os níveis?? Queremos saúde pública de qualidade?

São perguntas primordiais que precisamos nos fazer e responder. Que tipo de sociedade queremos construir? Que tipo de representantes precisaremos? O que faremos para isso?

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