Não sou de ver televisão. Lá em casa, evitamos ao máximo. Acreditamos que horário de refeição é sagrado e devemos aproveitar para conversar, bem como os poucos momentos que estamos juntos em casa. Ligamos apenas para programas específicos (cada membro da família tem o seu. Com a filha de 7 anos, negociamos. Ela nos convenceu, por exemplo, a poder acompanhar Chiquititas!). Felizmente temos TV a cabo e não ficamos refém, nem restritos a o pouco e o regular que os canais abertos nos oferecem.
Um dos locais onde assisto TV é no estúdio onde malho. Lá me atualizo na programação que não acompanho normalmente – os novos clipes na MTV, os velhos do VH1 e os jornais e programas jornalísticos da Record. Ah!, a Record. Ultimamente, temos ficado por lá, apenas. Nas últimas duas semanas, só tenho assistido à cobertura do terrível e dramático caso do assassinato da menina Isabela Nardoni, muito provavelmente por seu pai e por sua madrasta (se usa esse termo quando a mãe está viva? Nem sabia!).
Hoje era seu aniversário, ela faria 6 anos. Hoje os dois – pai e madrasta - iriam depor. Hoje comentou-se sobre os resultados dos laudos periciais – que ela primeiramente foi ferida pela madrasta por um objeto que provocou um corte na testa; que em seguida foi estrangulada durante 3 minutos (acho um tempo razoável para a pessoa pensar que não está fazendo uma coisa muito certa. E para o outro vir em defesa); e continuando, após ter sido dada como morta (embora estivesse ferida, mas bem viva), foi atirada pela janela, como um entulho, pelo próprio pai (numa das saídas mais esdrúxulas que poderiam ser imaginadas).
Não tenho acompanhado toda a cobertura da mídia, mas do que tenho acompanhado, tenho visto muito sensacionalismo, muita repetição de notícias, muita gente se aproveitando da tragédia, a população eufórica (com toda razão, mas certamente sob efeito da pressão jornalística, que cria um furor e por sua vez se realimenta dele). Mas ainda não vi surgir um debate sobre duas questões que me parecem fundamentais:
1) a questão da guardas de crianças em lares ou sob os cuidados de pais que não oferecem segurança (neste caso) ou amor (em outros).
No caso específico, aquele pai já tinha dado mostras de agressividade e a madrasta também exibia freqüentemente comportamento muito questionável. Sem contar que as duas famílias – Nardoni e Jatobá – tinham registros – oficiais e não-oficiais – de um histórico de violência.
Nesses casos, os filhos devem ser colocados em situações de risco, sob o discurso de que é pai (ou mãe) e, portanto, merece ter contato, ou é bom para a criança o relacionamento com o pai/ou mãe?? Não há dúvida dos benefícios dos cuidados paternos e maternos para a saúde emocional das crianças, isso já está mais do que provado. Mas e quando esses pais não exercem a paternidade/maternidade, de modo a promover a saúde, a auto-estima, o bom desenvolvimento de seus filhos??
2) a questão do uso da violência física como forma de educação.
No caso, tudo começou com uma 'pequena' agressão. Que, talvez, se a mulher não estivesse com o tal objeto em mãos, poderia ter desferido um safanão, um beliscão, uma palmada, um tapa, um empurrão... sabe-se lá mais o quê, mas que, talvez, não tivesse “maiores” conseqüências.
Ainda hoje se admite com muita naturalidade, no Brasil, o uso da agressão ou coerção física contra crianças. Todos sabem que se um adulto bate em outro na rua pode ser incriminado por isso e que essa não é uma atitude correta. Por que seria diferente em casa, especialmente contra um ser fisicamente muito menor e emocionalmente muito mais vulnerável? O pior: não é diferente pela lei!
Ferido e violentado por quem supostamente deveria cuidar, amar e proteger. Não consigo ver crime mais grave!
Educação se faz por diálogo. Não por força física. Isso já foi abolido das escolas, porque não ainda dos lares???
O Estatuto da Criança e do Adolescente, criado pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, diz, entre outras várias coisas :
Art. 4o É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 5o Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
(Não entendo por que eles continuam redigindo leis com essa forma. Fica parecendo uma piada de mau gosto!)
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
(Me lembrei do caso da menina de 12 anos que foi mantida sob cárcere e torturada continuamente por dois anos, sob os olhares de diversas pessoas, em caso ocorrido em Goiânia e divulgado recentemente)
Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.
(Me lembrei que, neste caso de Goiânia, a autora já tinha sido acusada, mas libertada por “falta de provas”. O Estado poderia ter evitado a repetição de um caso e o sofrimento de uma menina que teve a infância arrasada)
Art. 73. A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta lei.
Quer dizer, a obrigação legal existe desde 1990. Pena que não se constrói uma cultura simplesmente publicando leis. Há que se fazer cumpri-las.
Gostaria de saber o número de crianças, adolescentes (e mulheres) abusados anualmente. Gostaria de compará-los com o número das vítimas de dengue ou de febre amarela, que tiveram tanto espaço na mídia atualmente (não que não mereçam também!).
Gostaria de ver a repercussão de casos assim virarem ações concretas que sirvam, efetivamente, para conter casos presentes e evitar casos futuros.
Um comentário:
É realmente um crime sem precedente na história da humanidade no quesito crueldade, Juliana.
Concordo consigo no que diz em sua postage. Parabens!!!
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